quarta-feira, 28 de março de 2007

VEJA DE 28 DE MARÇO

DESTAQUES

Caos aéreo - Por que voar virou uma tortura - Abrimos a caixa-preta da Infraero: a coisa é feia. Controladores de vôo: as suspeitas de sabotagem.#
A tortura do apagão aéreo - O gráfico do caos - Depois do acidente da Gol, os atrasos dos vôos das maiores companhias do país chegaram a níveis africanos. A infra-estrutura precária, o descaso do governo e a ganância das companhias tornaram o ato de viajar de avião um tormento sem fim. #
Eles estão quase fora de controle - Suspeitos de sabotagem, os controladores de vôo ameaçam parar na semana do Pan e submeter o país a um vexame mundial. #
A infraero não informa... - A empresa responsável pela administração dos aeroportos é um antro de corrupção e desvio de dinheiro. #
O time agora tem de jogar - A nova equipe do presidente Lula tem menos petistas e a forma de um governo de coalizão. #
Quem Vazou? "Informação privilegiada" na venda da Ipiranga é um desafio novo para a bolsa brasileira.
Maior, mas do mesmo tamanho - Nova conta aumenta o PIB - já as travas ao crescimento não saem do lugar

TEXTOS
A tortura do apagão aéreo
A infra-estrutura precária, o descaso do governoe a ganância das companhias tornaram o ato deviajar de avião um tormento sem fim
Juliana Linhares e Victor De Martino
Chega. Basta. Passou de qualquer limite. O viajante brasileiro, que já não conta com estradas decentes e ferrovias dignas desse nome, agora também pena para viajar de avião. Tomar uma simples ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo, que consumia no máximo cinqüenta minutos, agora pode ser uma tortura que dura até quatro horas. Atrasos e cancelamentos de vôos entraram para a rotina dos passageiros de todos os quadrantes do país. A crise iniciada com a trombada entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro do ano passado, tornou-se crônica – fato inadmissível para um país que se pretende civilizado. Há vários culpados para o que se convencionou chamar de apagão aéreo: a precariedade da infra-estrutura do setor, a falta de ação do governo, da qual a primeira decorre, e a ganância das companhias. Para não falar da corrupção oficial, sempre ela.
O quadro abaixo é a visualização mais límpida do descalabro. Ele mostra que a pontualidade dos aviões brasileiros, antes em padrões internacionais, despencou para níveis abissais. As justificativas para isso beiram o ridículo. Na segunda-feira passada, depois de mais um fim de semana em que um terço de todos os aviões partiu com atraso e os aeroportos voltaram a registrar cenas de passageiros revoltados com a desinformação, a desculpa foi uma queda no sistema de comunicação do Cindacta 1, que monitora os aviões em vôo no Centro-Oeste e no Sudeste. É impressionante como os sistemas nacionais passaram a cair depois da queda do avião da Gol. E o mais intrigante é que os controladores de vôo já planejam uma "nova queda de sistema" para as vésperas dos Jogos Pan-Americanos, em julho
Até o ano passado, os brasileiros confiavam em sua aviação comercial, sem saber que ela estava corroída por dentro e já não suportava o aumento exponencial do número de usuários. Há três anos, a quantidade de passageiros cresce em níveis chineses – só no ano passado, o aumento foi de 12% –, mas o investimento no setor segue em padrões africanos. O governo federal reduziu praticamente à metade os gastos, paga mal aos controladores e mantém equipamentos de monitoramento obsoletos. As companhias também não demonstraram agilidade – nem interesse – suficiente para se adequar à nova realidade. Entre 2000 e 2006, enquanto o número de passageiros transportados anualmente subiu de 41,7 milhões para 57,6 milhões, a frota de aviões despencou de 366 para 230, uma queda de 37%). Em parte, isso se deve à crise da Varig, até então a principal companhia do país. No período de um ano, de 2005 para 2006, a empresa perdeu 73 aeronaves (tinha 88 e hoje opera com somente quinze). "Na era Varig, apenas 5 milhões de brasileiros tinham dinheiro para voar. Hoje, com o barateamento das tarifas, calcula-se que esse número tenha triplicado", diz Gianfranco Beting, consultor em aviação.
Diante do colapso da Varig e do aumento de passageiros, a TAM e a Gol, atualmente as duas principais companhias brasileiras, passaram a operar no limite – inclusive para manter suas margens de lucro na estratosfera. Como o crescimento do número de assentos não acompanhou o aumento de passageiros, os aviões, que no passado chegaram a voar com apenas metade de sua capacidade, hoje têm 72% de ocupação, em média. Esse índice ainda está dentro dos padrões internacionais, mas as projeções indicam que, num futuro bem próximo, a taxa poderá subir a até 89% o risco é o aprofundamento do colapso do sistema e a repetição de cenas ainda piores do que as que foram vistas em dezembro do ano passado. Bastou a parada de seis aeronaves para que a TAM, em meio a seu ganancioso overbooking natalino, deixasse 340.000 passageiros sem embarcar.
Como a TAM é responsável por 48% dos vôos domésticos no Brasil, qualquer irresponsabilidade ou problema da companhia tem efeitos em cascata sobre todo o sistema. A alta concentração de mercado tornou-se, desse modo, outro fator de preocupação. Juntas, a TAM e a Gol respondem por 86% das vendas de bilhetes. Esse duopólio tem proporcionado às empresas ganhos espetaculares, justamente em um dos períodos mais traumáticos para os usuários da aviação comercial brasileira. Em 2006, a margem de lucro da Gol foi de 15%, e a da TAM, de 7,6%. Para se ter uma idéia do que isso representa, no mercado internacional margens de lucro entre 3% e 5% são comemoradas pelas empresas aéreas. No momento, boa parte das companhias americanas e européias enfrenta sucessivos prejuízos. Lucros exorbitantes assim só acontecem em ambientes de pouca concorrência – nos quais os passageiros só têm a perder em matéria de qualidade de serviços, como demonstra o caso brasileiro.
A aviação comercial sempre foi uma operação de alta complexidade, e as companhias sabem que atrasos e cancelamentos aumentam o risco do negócio. A diferença é que, onde há maior competição, descuidar desses fatores pode significar perdas incomensuráveis. No mês passado, uma tempestade de gelo que fechou o Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, provocou a maior crise já enfrentada pela empresa americana JetBlue. Os 100 passageiros do vôo 755 da companhia, que deixaria a cidade, ficaram presos por nove horas no avião, sem comida nem informação e com os banheiros quebrados. Os problemas causados pelo mau tempo foram agravados pelo comportamento da própria JetBlue. A empresa levou para o pátio outros aviões, a fim de que decolassem assim que a tempestade acabasse. Mas alguns equipamentos congelaram e entraram em pane. Com o pátio do aeroporto lotado pelos aparelhos da JetBlue, outros 1.000 vôos foram atrasados. Seu presidente, David Neeleman, pediu desculpas em público. Mas muitos analistas acreditam que levará um bom tempo para a JetBlue reparar o dano à sua imagem.
No Brasil, não. Nas atuais circunstâncias, por falta de concorrência, se uma companhia pratica overbooking, deixa de investir na ampliação e modernização de sua frota (para aumentar a margem de lucro) ou maltrata os passageiros, tratando-os como gado, nada ocorre com ela. Pelo simples fato de que o cliente não conta com opções. O mais dramático é que a infra-estrutura aeroportuária é tão precária que não agüentaria a entrada de novas empresas no mercado. Um exemplo é o grau de saturação a que chegou o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o mais movimentado do país. Sua capacidade ideal é de 12 milhões de passageiros por ano. Mas, em 2006, passaram por seus corredores 18,5 milhões de pessoas (veja quadro na pág. 56). Como Congonhas não foi projetado para suportar tanto movimento, ele se tornou o gargalo mais apertado da aviação brasileira. Não há solução para o caos aéreo que não passe, primeiro, pelo desafogamento do aeroporto paulistano. VEJA consultou especialistas, a fim de que sugerissem saídas para Congonhas. São elas:
• Transferir para o aeroporto de Guarulhos, já nas próximas semanas, todos os vôos de longa duração, como os provenientes do Norte e do Nordeste. "Os aviões que fazem essas viagens carregam muitos passageiros e lotam o aeroporto", explica Cláudio Jorge, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A medida diminuiria em 6 milhões o número de passageiros no aeroporto.
• Num período de dois anos, deixar em Congonhas apenas os vôos da ponte aérea e de pequenas companhias. O aeroporto receberia 10 milhões de passageiros por ano, 2 milhões menos do que a sua capacidade máxima.
• Construir um terceiro aeroporto nos arredores de São Paulo. Alguns estudos já estão sendo feitos, mas os técnicos ainda não encontraram o lugar ideal para a edificação.
Os especialistas advertem, porém, que qualquer dessas modificações implica a construção de linhas de metrô e trem que liguem a capital paulista a esses aeroportos mais distantes. Seria preciso que o governo, em nível municipal, estadual e federal, fizesse um trabalho coordenado. Mas coordenação não é exatamente uma qualidade da administração pública brasileira.
Nesta reportagem• Quadro: O gráfico do caosQuadro: Acima do limiteQuadro: O caminho do colapso

MAIS CONCORRÊNCIA NOS CÉUS
A duração de uma viagem aérea internacional entre Nova York e Londres equivale ao tempo do vôo doméstico entre Houston (Texas) e Anchorage (no Alasca) – 7 horas e 45 minutos. Mas custa três vezes mais – 1.800 dólares, em média, contra 600 dólares. A diferença entre as tarifas explica-se por um único fator: competição. Enquanto a concorrência na aviação doméstica americana pegou fogo nos últimos trinta anos com o surgimento das companhias aéreas de baixo custo, as rotas internacionais permaneceram largamente protegidas da concorrência devido a um acordo internacional, de 1944, que limita muito o número de vôos entre países. Como resultado, o preço das passagens regionais desabou e o das rotas transatlânticas pouco se alterou. Mas isso pode estar prestes a mudar. Na semana passada, depois de anos de negociações frustradas, os Estados Unidos e a União Européia conseguiram finalmente chegar a um novo tratado que, ao entrar em vigor, em março de 2008, deverá injetar mais competitividade no setor.
Pelo acordo, chamado open skies ("céus abertos", na tradução literal do inglês), empresas aéreas européias poderão voar de qualquer cidade do continente para qualquer destino nos Estados Unidos – e vice-versa. Até agora, seus aviões só podiam decolar de aeroportos de seus respectivos países. Já as companhias americanas terão acesso a qualquer trecho entre os 27 países da União Européia. Ou seja, ganharam mais direitos do que as européias. O sucesso do open skies dependerá, obviamente, da existência de espaço (slot) disponível nos aeroportos dos dois lados do Atlântico. Para isso, eles terão de ser reformados e novos aviões, comprados. O fim das restrições deverá gerar pelo menos 26 milhões de passageiros adicionais em cinco anos, criar 72.000 empregos e reduzir drasticamente o preço das passagens. Companhias européias continuarão proibidas de competir na aviação doméstica americana ou de comprar o controle acionário de empresas aéreas dos Estados Unidos. Essas e outras barreiras remanescentes deverão ser objeto de um novo acordo, a ser negociado nos próximos cinco anos. Se a infra-estrutura da aviação brasileira fosse aperfeiçoada, um acordo semelhante poderia ser feito com outros países. Com mais competição nos céus, os viajantes brasileiros sairiam ganhando.


AviaçãoEles estão quase fora de controle
Suspeitos de sabotagem, os controladores de vôo ameaçam parar na semana do Pan e submeter o país a um vexame mundial
Ricardo Brito

O futuro ministro da Defesa, Aldo Rebelo (à esq.), já faz gestões para debelar a crise. Mas os controladores seguem irredutíveis. Desde a tragédia com o Boeing da Gol, na qual os controladores Jomarcelo dos Santos e Lucivando de Alencar (à dir.) estavam diante do radar, eles vivem dando demonstrações de que podem parar o país. A crise parece não ter fim
Os controladores de vôo já deram demonstrações de que podem parar o país. Desde a tragédia com o Boeing da Gol, em setembro, que matou 154 pessoas e deflagrou a crise aérea que parece não ter fim, a categoria iniciou um jogo de pressão e ameaças que lembra a tática das guerrilhas. Ela é formada por uma tropa de 2.500 pessoas, que têm idade média de 30 anos, ganham 2.000 reais por mês e têm a imensa responsabilidade de zelar pela segurança aérea em condições precárias. Esse exército mal treinado e mal remunerado faz hoje uma greve branca cujos efeitos são percebidos quase todas as semanas nos aeroportos, expondo ainda mais a falta de infra-estrutura da aviação nacional. Os controladores exigem aumento salarial, menor jornada de trabalho e a contratação imediata de novos profissionais. Como a maior parte da categoria é composta de militares, impedidos de fazer greve, eles confabulam nas sombras, fazem reuniões secretas e nunca assumem a autoria de seus atos. Eles assustam não apenas porque já pararam o tráfego aéreo, mas porque podem voltar a fazê-lo a qualquer momento. Há até uma data marcada para a próxima demonstração de força. Os controladores planejam paralisar o Brasil na véspera dos Jogos Pan-Americanos, em julho. A ameaça é tão perturbadora que, na semana passada, eles conseguiram tirar Lula do sério. Já não era sem tempo: até então, o presidente insistia em dizer que o apagão já havia sido solucionado.
Ameaças precisam ser recebidas com cuidado em qualquer negociação. Mas é recomendável que o governo não trate a maquinação para o Pan como mera bravata. No mês passado, pouco antes do Carnaval, os controladores também ameaçaram cruzar os braços. Não o fizeram – embora os vôos para os principais destinos tenham apresentado alguns atrasos – apenas porque o ministro da Defesa, o sempre aéreo Waldir Pires, prometeu acelerar o projeto que desmilitariza o controle do tráfego de aviões. Além de desobrigá-los das rígidas normas da caserna, como o impedimento de fazer greve, a desmilitarização é sinônimo de melhores salários para a maior parte dos controladores de vôo. Os 2.100 militares recebem o equivalente à metade do salário dos 400 civis que integram a categoria. A desmilitarização voltou a galvanizar a atenção dos controladores graças ao anúncio de que a Argentina, seguindo recomendações dos órgãos internacionais de aviação, transferiu a civis o controle de seu tráfego aéreo. Nos Estados Unidos, para citar outro exemplo, a transferência ocorreu há exatos 67 anos. No Brasil, apesar da promessa de Waldir Pires, o projeto está emperrado. "A decisão é do presidente", afirma o ministro.
Lula já deu sinais de que não pretende ceder à pressão dos controladores de vôo pela desmilitarização do setor. Para tentar pôr fim à crise, contudo, o presidente decidiu substituir Waldir Pires pelo ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, que começou a trabalhar antes mesmo de tomar posse. Na semana passada, Apolinário Rebelo, irmão do futuro ministro da Defesa e um dos integrantes da cúpula do PCdoB em Brasília, esteve na Infraero, em missão informal, discutindo uma saída para a crise. Pela proposta de Aldo, os controladores continuariam submetidos à hierarquia militar, mas receberiam uma gratificação da estatal que controla os aeroportos. O ministro Waldir Pires não foi consultado. Lula está irritado com a falta de pulso do governo sobre os homens que zelam pelo espaço aéreo. O presidente chegou a responsabilizar os controladores pela pane da última semana. "Só pode ser sabotagem. Estão fazendo isso para prejudicar o meu governo e criar a CPI", disse o presidente, referindo-se à CPI que a oposição briga para instalar no Congresso Nacional.
Ainda não se sabe se os controladores de vôo estão por trás da bagunça da semana passada. Mas é curioso que, toda vez que eles ficam insatisfeitos, o caos se instala nos céus do país. O apagão aéreo ganhou os saguões dos aeroportos um mês após a queda do Boeing da Gol, exatamente quando as investigações começaram a apontar para uma possível negligência dos controladores. Os sargentos Jomarcelo dos Santos e Lucivando de Alencar, que estavam diante das telas do radar no momento da tragédia, foram afastados de seus cargos. Exatamente um dia depois, os controladores iniciaram uma operação-padrão. Em vez de controlar até vinte aviões ao mesmo tempo, como era comum, passaram a monitorar apenas catorze, como determinam os padrões internacionais. A estratégia resultou no atraso de 600 vôos num único fim de semana e em esperas monumentais de até vinte horas. Para segurar o caos, o governo prometeu se empenhar pela desmilitarização e garantiu que o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, seria trocado. O comandante foi trocado, mas a desmilitarização não decolou.
As condições de trabalho dos controladores brasileiros são mesmo espantosas. Um controlador americano recebe em média 10.000 dólares por mês. A remuneração média de um profissional brasileiro é de apenas 2.000 reais, no caso dos militares (1.000 dólares), e de 3.200 reais (1.600 dólares), no caso dos civis. Trabalham oito horas por dia submetidos a um monumental nível de stress. Sem treinamento adequado, falam um inglês primário e têm dificuldade para entender as informações que recebem de pilotos estrangeiros. Logo depois da operação-padrão, diante da ameaça de reeditarem o movimento, a Aeronáutica confinou cinqüenta controladores em Brasília, epicentro da insurreição aérea, em duas oportunidades. Eles tiveram de trabalhar por até 48 horas contínuas. É essa insatisfação represada que, mais uma vez, ameaça transbordar. Se apenas observando regras internacionais eles já causaram tanta turbulência, é arrepiante imaginar o estrago que produzirão se, de fato, cruzarem os braços. O Pan do Brasil viraria um pandemônio.
AviaçãoA Infraero não informa...
A empresa responsável pela administração dos aeroportos é um antro de corrupção e desvio de dinheiro
Diego Escosteguy

Desde sua criação, em 1972, a Infraero, estatal responsável por administrar os aeroportos brasileiros, foi gerenciada por técnicos. Em 2003, logo após tomar posse, o presidente Lula rompeu essa tradição e nomeou um político para o cargo – o hoje deputado federal Carlos Wilson. Amigo do presidente do PTB, Roberto Jefferson, o parlamentar seguiu à risca o manual de instruções do partido e transformou a empresa em um gigantesco centro de captação de recursos eleitorais. Auditorias do Tribunal de Contas da União já detectaram irregularidades em praticamente todas as obras realizadas nesse período nos aeroportos brasileiros. Há denúncias no atacado envolvendo a companhia em superfaturamento, licitações dirigidas, desvio de dinheiro e fraudes variadas que ultrapassam a cifra do bilhão. Há também corrupção no varejo protagonizada por dirigentes da empresa. Na semana passada, o atual presidente da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira, abortou uma operação irregular, da qual participavam funcionários de sua confiança, que renderia 160 milhões de reais a um grupo de especuladores imobiliários. O negócio é exemplar e revela como parcerias político-público-privadas continuam sendo feitas clandestinamente em Brasília.
Há vinte anos a Infraero administra um terreno de 25 hectares nas redondezas do aeroporto de Brasília. O local é alvo da cobiça de grandes construtoras e companhias de aviação. Apesar de estar cedido à Infraero, o imóvel pertence ao governo do Distrito Federal. No fim do ano passado, o assessor especial da presidência da Infraero, Josenvalto Reis, que é filiado ao PTB, iniciou um processo para que a estatal comprasse o terreno. Os detalhes da operação foram acertados diretamente entre Reis e o senador Joaquim Roriz, do PMDB. O plano era o seguinte: o governo de Brasília venderia o terreno à Infraero por 40 milhões de reais. Algum tempo depois, a Infraero alegaria que não tinha mais interesse no imóvel e repassaria o terreno para uma empresa, que assumiria a dívida. Seria um daqueles casos inacreditáveis em que ninguém sai perdendo. O empresário poderia usar um terreno abandonado para um grande projeto imobiliário. A Infraero se desvencilharia de um patrimônio inútil e de uma dívida gigantesca. O senador Joaquim Roriz poderia se vangloriar de ter contribuído para o desenvolvimento do país. O funcionário Josenvalto poderia ganhar uma medalha por se revelar um funcionário aplicado. Interessante, se não tivesse cara de golpe.
Segundo cálculos da própria Infraero, o terreno vale 200 milhões de reais. Ou seja: a operação renderia 160 milhões de lucro ao comprador final. O presidente da Infraero mandou cancelar o processo de compra do terreno. "Eu nem sabia que isso existia", disse o brigadeiro José Carlos. Seu assessor especial, Josenvalto Reis, explicou que, como ainda era um projeto, nada disse ao chefe. Disse ainda ter procurado Joaquim Roriz em casa apenas para pedir que ele usasse sua influência para agilizar o processo de venda. Roriz, por sua vez, contou outra versão. Segundo ele, Reis foi à sua casa reclamar do preço do imóvel. Na sexta-feira, Reis informou que pediria demissão. Dois dirigentes da Infraero ouvidos por VEJA revelaram que o negócio era parte de um acerto político fechado com o PMDB.
A Infraero tem um orçamento anual de 890 milhões de reais para gastar em obras e manutenção dos aeroportos, o que a transformou em objeto de cobiça. Primeiro foi o PTB, depois chegaram os peemedebistas. Nas últimas semanas, o PT tentou de todas as formas transferir a gestão da empresa para a nova ministra do Turismo, Marta Suplicy. Não é, certamente, apenas interesse em resolver os problemas da aviação. VEJA teve acesso a documentos confidenciais produzidos pelo controle interno da estatal. Eles mostram que não é exagero classificar a Infraero como um antro. Eis alguns exemplos. No ano passado, a companhia gastou 26 milhões de reais, sem licitação, na compra de um software para "gerenciar" as propagandas dos aeroportos. O software nunca funcionou. Descobriu-se que a empresa vendedora havia sido criada apenas um mês antes do negócio e emitira uma única nota fiscal, número 001, referente ao software. O posto de combustíveis do aeroporto de Brasília, uma concessão da estatal, pertencia a uma empresa ligada ao ex-dono da Vasp, Wagner Canhedo. Até aí, nada demais. O problema é que o posto foi fechado por vender gasolina adulterada e, mesmo assim, o contrato, em vez de ser rescindido, foi prorrogado por mais oito anos.
Não é de surpreender que parentes dos dirigentes da Infraero ou pessoas afins também tenham sido flagrados querendo participar da festança. Nos quase quatro anos que dirigiu a estatal, o deputado Carlos Wilson, generoso com empreiteiras e prestadores de serviço, não se esqueceu dos parentes. A ATP Engenharia, empresa de Mônica Coimbra Loyo, prima de sua ex-mulher, tem contratos com a Infraero superiores a 11 milhões de reais para fiscalizar as obras nos aeroportos. A cunhada de Carlos Wilson explora a concessão de uma lanchonete no aeroporto do Recife, o mesmo que foi decorado com pinturas compradas do sogro dele, o artista pernambucano Francisco Brennand. Dono de uma fábrica de cerâmica, Brennand também forneceu os azulejos que revestem as paredes de três aeroportos reformados durante a presidência do genro: o da capital pernambucana, o de Maceió e o de Congonhas. "São coisas pequenas, mesquinhas", defende-se Wilson. Na semana passada, apesar do empenho do deputado Fernando Gabeira, a bancada do governo não permitiu a instalação da CPI que poderia descobrir a exata dimensão das mesquinharias da Infraero.
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Perguntas & Respostas
Antes considerados isolados, os episódios dos apagões aéreos vividos em todo o país em novembro e dezembro de 2006, quando cancelamentos de vôos e atrasos nos embarques de até 20 horas aterrorizaram multidões furiosas de passageiros, não deixarão a rotina dos viajantes tão cedo. Quem quiser pegar um avião no Brasil, por enquanto, não está livre de enfrentar situações parecidas. Aqui, o meio mais rápido e seguro de viajar transformou-se no mais demorado e inseguro.
1.Quando começou a crise no setor aéreo do país?2. Quais são as causas caos aéreo em que o país mergulhou?3. Quem administra o transporte aéreo no país?4. Como funciona o sistema de controle de tráfego aéreo no Brasil?5. Os equipamentos utilizados no controle do tráfego aéreo no Brasil são confiáveis?6. Qual é o papel dos controladores de vôo no atual caos da aviação civil?7. A desmilitarização do controle de tráfego aéreo seria a solução para os problemas dos operadores?8. Faltam recursos para administrar o setor de transporte aéreo?9. As companhias aéreas também têm culpa pela crise aérea?10. A crise aérea afeta somente o setor turístico e os passageiros em férias?11. Por que sempre que se fala em atrasos nos vôos, o aeroporto paulistano de Congonhas recebe atenção especial?12. Qual seria o objetivo de instalar uma CPI do Apagão Aéreo?13. Como solucionar o caos aéreo?
RESPOSTAS:
1. Quando começou a crise no setor aéreo do país?
O choque entre um jato Legacy americano e um Boeing da Gol em setembro de 2006, que derrubou o último na selva de Mato Grosso e matou as 154 pessoas a bordo, foi o episódio que chamou definitivamente a atenção da população brasileira para a precariedade do setor de transporte aéreo do país. No entanto, o acidente, junto da greve branca dos controladores de vôo que gerou o apagão aéreo original, foram só dois dos estopins de um colapso que já estava anunciado. Enquanto o movimento de passageiros no país cresceu em ritmo acelerado nos últimos três anos - 19% só em 2005 - , o investimento oficial em infra-estrutura de controle aéreo, equipamentos e formação de equipes seguiu o caminho inverso - foi reduzido quase à metade.
2. Quais são as causas caos aéreo em que o país mergulhou?
O caos e a incerteza que dominam o setor aéreo são resultado de uma série de problemas interligados. Os recursos da área são mal administrados; os aeroportos não têm estrutura para atender a atual demanda; faltam controladores de tráfego aéreo, e os que estão aí não têm boas condições de trabalho; os radares têm zonas cegas; as comunicações por rádio falham. Basta que um desses elos da corrente não funcione para que todos os outros sejam comprometidos. Como estão todos na iminência de falhar, a vulnerabilidade do sistema - que há muito ultrapassou o seu limite - é enorme.
3. Quem administra o transporte aéreo no país?
A aviação está sob responsabilidade direta do Ministério da Defesa, e é comandada pela Força Aérea Brasileira (FAB). A Aeronáutica, no entanto, não gerencia o setor sozinha. Junto dela estão a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), estatal responsável pela administração dos 67 aeroportos do país; e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que tem a finalidade de regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária. A Anac, como o próprio nome explica, é o único dos três órgãos comandado por uma autoridade civil.
4. Como funciona o sistema de controle de tráfego aéreo no Brasil?
O controle de tráfego aéreo é comandado por um conjunto de quatro unidades de monitoramento que se integram para cobrir todo o território nacional. Cada unidade regional do sistema leva o nome de Cindacta - Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Espaço Aéreo. São órgãos subordinados ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), que por sua vez responde diretamente ao comando da Aeronáutica. No Brasil, optou-se nos anos 1970 por criar um sistema único para controlar tanto a aviação civil quanto a militar, ao contrário do que acontece em outros países. Em Brasília, fica o Cindacta 1; em Curitiba, o Cindacta 2; em Recife, o Cindacta 3; e em Manaus, o Cindacta 4, baseado na estrutura do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). A rede de controle aéreo brasileira é frágil. Está sujeita a problemas que começam na falta de manutenção dos equipamentos e vão até as recentes greves dos operadores – cujo contingente é insuficiente.
5. Os equipamentos utilizados no controle do tráfego aéreo no Brasil são confiáveis?
Não. Os problemas começam nas comunicações por rádio. O Brasil tem mais de cinqüenta freqüências de rádio para a comunicação entre os centros de controle em terra e os aviões. No Cindacta 1, por exemplo, nenhuma das freqüências funciona com 100% de clareza o tempo inteiro. O trecho entre Brasília e Manaus possui "áreas de silêncio", em que as comunicações de voz ficam inoperantes por até quinze minutos. Além disso os radares têm zonas cegas. Mesmo na área do Cindacta 4, que utiliza a rede do Sistema de Vigilância da Amazônia, o Sivam, de custo estimado em 1,4 bilhão de dólares, há zonas na região amazônica em que os radares não conseguem detectar os aviões no céu. Como se não bastasse, os aeroportos são deficientes. Segundo especialistas, a avaliação de um aeroporto é feita com base em três itens: pista, pátio de estacionamento de aeronaves e terminal de passageiros. Nove dos vinte maiores aeroportos brasileiros, que concentram 90% dos vôos no país, têm problemas graves em um ou mais desses quesitos.
6. Qual é o papel dos controladores de vôo no atual caos da aviação civil?
Acuados pela suspeita de que o acidente da Gol foi motivado por negligência do controle aéreo, os trabalhadores do setor iniciaram no fim de 2006 um movimento por melhores salários e passaram a denunciar suas precárias condições de trabalho. Há 2.700 operadores de tráfego aéreo no Brasil, na maioria militares - seriam necessários mais 800 para que o monitoramento dos aviões fosse feito de forma segura. A conseqüência disso é que esses profissionais ficam sobrecarregados e controlam mais aviões do que o regulamento prevê. No final de 2006, os controladores não precisaram fazer greve de fato. Bastou-lhes apenas seguir os regulamentos de segurança, diminuindo o número de aeronaves sob responsabilidade de cada um, para que o caos se estabelecesse nos aeroportos.
7. A desmilitarização do controle de tráfego aéreo seria a solução para os problemas dos operadores?
Uma das reivindicações dos controladores de tráfego aéreo é justamente a desmilitarização de sua função, colocada em debate pelo ministro da Defesa Waldir Pires após o início da crise. Fora das mãos da Aeronáutica, o controle deixaria de ser a caixa de segredos que é hoje. Alegando questões de segurança nacional, os militares relutam em prestar contas sobre um serviço que influi na vida de milhões de brasileiros. Sob comando da Aeronáutica, também não existe transparência sobre o destino das taxas cobradas das companhias aéreas pelo serviço de controle de tráfego. Taxas que, em última análise, influem nos preços das passagens. Para os operadores, a desmilitarização traria benefícios imediatos. Como militares, eles estão sujeitos às leis e à rotina do quartel. Não podem questionar ou contrariar ordens superiores, sob risco de punição. No entanto, tirar o controle aéreo das mãos da Aeronáutica não é bem visto entre comandantes militares e especialistas. Para eles, a troca de chefia pode ser perigosa, pois facilitaria a ocorrência de greves de fato, direito assistido pela Constituição.
8. Faltam recursos para administrar o setor de transporte aéreo?
Não, eles são mal gerenciados. O dinheiro para equipar melhor o tráfego aéreo não depende de recursos orçamentários. As taxas de embarque pagas pelos passageiros nos aeroportos somam uma dinheirama que, em 2006, chegou a cerca de 950 milhões de reais. O Brasil tem a terceira tarifa aeroportuária mais cara do mundo. Só que, por determinação dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, a maior parte desse dinheiro fica retida nos fundos Aeronáutico e Aeroviário, a fim de aumentar o superávit primário nas contas oficiais. Do Fundo Aeronáutico, que acumulava até o fim de 2006 1,9 bilhão de reais, somente 17% foram efetivamente usados. Os erros de gestão financeira são agravados por outras decisões administrativas, como um acordo entre a Infraero e as companhias aéreas feito no começo do apagão aéreo, que passou a considerar atraso somente os vôos que demoravam mais de uma hora para decolar.
9. As companhias aéreas também têm culpa pela crise aérea?
Sim. Em primeiro lugar, porque junto dos órgãos que administram o tráfego aéreo, elas falham ao não garantir nem mesmo o mais elementar dos direitos dos passageiros: ser informado sobre os problemas e ter alguma previsão sobre os atrasos. Em segundo, porque desrespeitam novamente seus consumidores ao insistirem em vender mais passagens do que seus aviões podem comportar
10. A crise aérea afeta somente o setor turístico e os passageiros em férias?
Não, o turismo é um dos setores menos prejudicados. Cerca de 70% dos passageiros da aviação comercial brasileira viajam a trabalho. Além disso, num país das dimensões do brasil e com estradas lastimáveis, o transporte de mercadorias por avião é vital para o bom funcionamento da economia. Por último, mas não menos importante, deve-se registrar que o caos nos aeroportos afeta diretamente a classe média brasileira, da qual provém a maior parte dos passageiros.
11. Por que sempre que se fala em atrasos nos vôos, o aeroporto paulistano de Congonhas recebe atenção especial?
Congonhas é o maior aeroporto do país em número de passageiros - 18,4 milhões em 2006 - e de vôos - 600 por dia. Quando não é o causador das ondas nacionais de atrasos de vôos, o aeroporto localizado no meio do caos urbano de São Paulo é o mais afetado por elas, e acaba refletindo isso nos outros terminais do país. Ele trabalha há anos acima de sua capacidade - poderia receber, no máximo, 12 milhões de passageiros por ano. Para piorar, desde 24 de janeiro de 2007, toda vez que a chuva forma uma lâmina d'água sobre as duas pistas do aeroporto de 3 ou mais milímetros de profundidade (a espessura de uma moeda de 50 centavos), os pousos e as decolagens são suspensos por questões de segurança. Cumbica, em Guarulhos, e Viracopos, em Campinas, têm capacidade imediata de absorver, respectivamente, 20% e 2% das operações de Congonhas, mas em breve também precisariam ser ampliados.
12. Qual seria o objetivo de instalar uma CPI do Apagão Aéreo?
Deputados e senadores da oposição lutam com os governistas pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a crise no setor aéreo, deflagrada pelo acidente com o Boeing da Gol no ano passado. A CPI tem o potencial de se transformar em um importante instrumento de mobilização política para finalmente resolver o caos aeroportuário. Enquanto parlamentares se dedicarem diretamente ao assunto, chamando também a atenção da população, a crise tem mais chances de ser superada.
13. Como solucionar o caos aéreo?
Não há soluções prontas, mas existem medidas que poderiam ter sido adotadas antes da crise estourar. Um bom começo seria a criação de um plano aeroviário nacional que estabelecesse uma política clara de reformulação e reorganização da infra-estrutura aeroportuária. Para isso, o governo precisa gastar menos em obras vistosas como reformas milionárias de aeroportos - que são sim necessárias, desde que conduzidas de forma transparente - e mais no setor do tráfego aéreo que o público não enxerga - como os centros de controle de vôo.
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No caso dos rádios problemáticos, uma saída para fugir das interferências é substituir a comunicação via rádio pela via satélite, solução que tem funcionado até em países como a Costa Rica. Sobre os controladores, desmilitarizados ou não, é preciso formar e manter mais profissionais do que exige a demanda no dia-a-dia dos aeroportos. Para além das soluções pontuais que já foram apontadas por diversos especialistas, o que falta mesmo é agilidade do governo em reconhecer o desastroso desempenho administrativo que ocasionou a leva de problemas aeroportuários, e corrigi-los de forma a encerrar este tormento rapidamente.

RADAR
LAURO JARDIM
• AVIAÇÃO
Gol na Varig
As negociações decolaram e está por um fio a consumação da venda da Nova Varig para a Gol. Se o negócio for mesmo fechado, a Varig será transformada no braço internacional da empresa. A marca Gol seria usada apenas nos vôos domésticos.
• CLIMA
Na boca do povo
O aquecimento global caiu na boca do povo. É o que se pode constatar de uma pesquisa encomendada ao Ibope pela agência Nova/SB. É a primeira pesquisa nacional de opinião, com brasileiros de todas as classes, sobre o tema. Nada menos que 91% dos brasileiros já ouviram falar no aquecimento global e 86% deles estão "preocupados" ou " muito preocupados" com isso.
Faça o que eu digo...
Atenção, governantes: uma das respostas mais surpreendentes da pesquisa, que será divulgada na quarta-feira, é sobre crescimento econômico e sustentabilidade. A maioria dos brasileiros (63%) diz que aceitaria um crescimento econômico um pouco menor em troca de maiores cuidados com o meio ambiente. Apenas 25% dos entrevistados acham que o crescimento deve ser prioridade para o Brasil mesmo que "prejudique o meio ambiente".
...mas não o que eu faço
De qualquer forma, outra resposta revela uma contradição dos brasileiros que se mostraram tão preocupados com o ambiente. Apenas 25% estariam dispostos a trocar os seus carros por outros menos poluentes.
"CUCUMBERS AND PINEAPPLES..."
Paulo Maluf acaba de contratar o advogado americano Eric Lewis para assessorá-lo em seus pepinos com a corte de Nova York, onde é acusado de remeter ilegalmente 11,6 milhões de dólares para os EUA. Também é cliente de um outro advogado americano que tenta resolver seus abacaxis em Nova Jersey, onde sofre acusação semelhante. Fora um terceiro, inglês, que atua na corte de Londres num processo de mesmo teor.
• MARANHÃO
Dinheiro farto
Obra e dinheiro público resultam sempre num casamento em que o contribuinte sai perdendo. Tome-se o exemplo da construção da nova sede da Assembléia Legislativa do Maranhão. O projeto previa um gasto de 17 milhões de reais. Alguém calculou mal, muito mal: 32 milhões de reais já se foram. E ainda faltam, de acordo com as novas estimativas, 30 milhões de reais para terminar a obra. A empreiteira é a Petra, a mesma que há quatro anos foi flagrada como a responsável pela construção de várias estradas-fantasma no estado – ou seja, estradas que não existiam.

• ECONOMIA
Casas Bahia agora em Harvard
A partir do segundo semestre e ao longo dos próximos três anos, os alunos do MBA da Universidade Harvard, nos EUA, terão de estudar uma história de sucesso made in Brazil: o vertiginoso crescimento e as estratégias que levaram as Casas Bahia ao topo do varejo nacional serão objetos de estudo por lá.
Vende-se
Sem alarde, foi posta à venda a Redevco, uma das maiores empresas de incorporações e investimentos imobiliários do país, com mais de 600 milhões de reais em ativos. A empresa, que pertence à mesma holding que controla a C&A, está à venda no mundo todo.
Mu quem?
Um dos sócios das Lojas Americanas fez as contas e concluiu: o coreano Mu Hak You já ganhou 500 milhões de reais com a empresa. Anos atrás, ele comprou ações das Americanas por 4 reais. Agora, o papel está na faixa dos 120 reais. Aos 55 anos, radicado em São Paulo e avesso a holofotes (você já ouviu falar dele ou viu o seu rosto?), Mu Hak é dono de tantas ações da empresa que se senta no seu conselho de administração.
Curioso
A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) quer proibir no Cade uma promoção conjunta da TVA e da Telefônica que oferece um pacote de TV por assinatura e banda larga por preços reduzidos. No caso, é curioso que a associação se volte contra um associado, considerando que é exatamente isso que outro associado, a NET, vem fazendo com outra tele, a Embratel, há muito tempo. Com todo o apoio da entidade.
A Goldman ataca
A Goldman Sachs resolveu ir à luta. Eduardo Centola, presidente do banco, está comandando pessoalmente o ataque. Acaba de contratar uma executiva do Credit Suisse para comandar a área de mercado de capitais, depois de oferecer-lhe um pacote mínimo de remuneração de 7 milhões de dólares por dois anos. Tem feito ofertas poderosas. Na base de sua sedução, a garantia de que reservou 50 milhões de dólares para pagar em luvas a executivos de primeira linha para recompor a Goldman no Brasil.
A febre das bolsas
Pelo menos cinco grandes grupos de ensino universitário estão com propostas de bancos de investimentos para abrir o capital na Bovespa.
Record cresce, mas não é vice-líder
A propaganda da Record a respeito de sua suposta vice-liderança é poderosa, mas exagerada. Os números do Ibope de janeiro e fevereiro revelam que a rede está crescendo, sim, mas o SBT ainda tem mais audiência no país. Aos números: neste bimestre, entre 7 da manhã e meia-noite, a Globo aparece com 51% de participação total, o SBT com 15% e a Record com 13%. Dois anos atrás, o SBT tinha 20%, a rede do bispo Macedo, 9% e a emissora presidida por Roberto Irineu Marinho, 53%. Tudo indica que ainda neste ano a Record chegará de fato ao segundo lugar. E, embora a léguas de distância da Globo, não será apenas uma troca de vice-líderes: a Record tem estrutura e dinheiro farto, o que a emissora de Silvio Santos nunca teve. E, portanto, tem condições inéditas para competir com a Globo.
• CULTURA
Sarney em campanha
Duas semanas atrás, José Sarney esteve na Academia Brasileira de Letras. Levou um assessor que trazia uma mala: dentro dela, 34 volumes, ricamente encadernados. Era uma coleção de todos os seus livros, que foram doados à nova biblioteca de lá. Sarney está em plena campanha para a presidência da ABL. É favorito.
• RAÇA
Em busca do passado
A BBC está produzindo uma série de documentários sobre os 200 anos da lei britânica que aboliu o tráfico de escravos da África. Uma parte do projeto pretende rastrear origens genéticas da população negra brasileira para tentar localizar de qual região ou tribo vieram. A emissora já fechou a participação de Djavan, Seu Jorge, Daiane dos Santos e do atacante do Flamengo Obina.
Com Jan Theophilo. Colaborou Felipe Patury
OS 50 ANOS DA UNIÃO EUROPÉIA
Por Jaime Klintowitz
A Europa é uma península que se projeta da grande massa asiática, sem que exista acordo a respeito de onde começa. Escreveu um geógrafo alemão: "Chamar a isso continente é claramente um abuso de linguagem". Diante dessa dificuldade, outro alemão, o cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI, propõe uma definição por parâmetros diferentes: "A Europa não é um continente nitidamente perceptível em termos geográficos. É, na verdade, um conceito cultural e histórico", escreveu em Europa, livro de 2004. Soa apropriado que o berço das idéias que moldaram o mundo moderno seja mais bem definido por um conceito fluido, o pensamento humano – e não por montanhas e oceanos, como a África. A Europa do império romano incluía as terras em torno do Mediterrâneo, que em virtude de suas ligações culturais, do comércio e do sistema político comum formavam um verdadeiro "continente", escreve Ratzinger. Foi o avanço do Islã nos séculos VII e VIII que traçou uma fronteira pelo Mediterrâneo, separando Ásia, África e Europa. Quando a Europa iniciou sua espetacular revolução criativa no século XVI, nota o historiador americano Jacques Barzun, também não se podia pensar nos limites atuais, pois os Bálcãs permaneciam sonolentamente sob o domínio dos turcos muçulmanos.A peculiar trajetória do conceito é aqui relembrada em razão dos cinqüenta anos da assinatura do Tratado de Roma, que deu origem ao que agora é a União Européia – e, mais uma vez, redefiniu o que é Europa. Graças a essa organização, o continente é sinônimo de "tolerante" e "civilizado" – e não apenas de eugenia, guerras étnicas, religiosas e ideológicas. Em 25 de março de 1957, numa cerimônia sem muitas fanfarras, seis nações aceitaram – com alguma pressão americana – fundir parte da soberania de cada uma delas numa instituição multinacional que representasse um profundo rompimento com o passado. Apenas uma década antes, esses mesmos países tinham estraçalhado uns aos outros na II Guerra Mundial. O tratado estabeleceu como objetivo prático quatro liberdades fundamentais: livre movimento de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. A isso se daria o nome de Mercado Comum Europeu e, mais tarde, de União Européia.
ECONOMIA – Por Antonio Ribeiro
"Evite a burocracia. Oriente, não imponha. As regras devem ser mínimas." Os conselhos de Jean Monnet, arquiteto do Tratado de Roma, o acordo multinacional para remover tarifas alfandegárias no comércio de aço e carvão, pedra fundamental da União Européia, foram proféticos. No Velho Continente, trafega-se em auto-estradas impecáveis dos fiordes escandinavos às praias cantábricas sem cruzar com batalhas nem mostrar o passaporte e pagando com moeda única – o euro. A modernidade ocupa cada canto desse "pomar" da Terra e até ajuda na conservação das suas ruínas. Os que governam os 27 países da União Européia são eleitos pelo sistema democrático. O índice de pobreza europeu é o menor do mundo. Contudo, a situação inédita na região não desperta em seu meio bilhão de habitantes a confiança de outrora. Ao menos, não como sugeriam os filósofos do Iluminismo. Ou seja, o futuro próspero é uma conseqüência inevitável. Ao completar cinqüenta anos, a UE vive uma espécie de crise de meia-idade. Ela deu as costas para a Europa que inspirou suas instituições e anda sem visão. O espírito empreendedor nato do europeu está asfixiado por um formidável arsenal normativo. Os 20.000 euroburocratas pretendem regulamentar detalhes como a curvatura dos pepinos e o diâmetro dos preservativos. Os governantes de países fundadores da União Européia – Alemanha, França, Bélgica e Itália – hesitam estabelecer a justa medida entre o estado de bem-estar social e o crescimento econômico vigoroso e com mais empregos.
SÓ É CRIMINOSO QUEM QUER
“Só é criminoso quem quer; trata-se de uma escolha”.. A esquerda, pouco importa o matiz, vive ainda no marxismo do século 19. É incapaz de entender o homem como um ser dotado de vontade, apto a fazer opções, equipado para distinguir o bem do mal. Seu aparato analítico é fruto do naturalismo do século retrasado, quando o pensamento foi dominado pelo determinismo científico.
Imaginou-se, então, que tudo o que fosse humano estava subordinado a um conjunto de variáveis alheias às vontades. Até a economia, se bem se lembram, inseria-se numa seqüência mecânica, etapista, decidida no mundo das idéias. Ah, quem diria que Karl Marx (1818-1883), um materialista, era, de fato, um discípulo do pior platonismo!? Quem se debruçou sobre sua obra sabe disso: só resistia ao socialismo, “fantasma” (termo apropriado) que rondava a Europa, quem estava a contrapelo da marcha da civilização. Por isso, os que combatiam o modelo não eram apenas conservadores de uma ordem moribunda (o capitalismo), mas reacionários. E não adiantava espernear: como se diz em má poesia, ninguém conseguiria impedir a chegada da primavera; no máximo, retardá-la. O socialismo estava inscrito em nossa caminhada evolutiva. O “novo homem” era uma construção coletiva e um destino.” Reinaldo Azevedo
Diogo Mainardi e o cadáver de Ipanema

Pode haver algo melhor do que andar de bicicleta com dois filhos, no domingo, na orla de Ipanema, olhando para o mar e sentindo o odor de um cadáver putrefato? Foi o que aconteceu comigo na semana passada. O cadáver putrefato encontrava-se no banco traseiro de um carro prateado, estacionado no canteiro central da Avenida Vieira Souto, à altura do Posto 9, a menos de 100 metros de onde eu moro. O porteiro de um prédio vizinho, um dos primeiros a chegar ao local e analisar o cadáver, com o rigor de um perito forense, com a argúcia de um inspetor Grissom, informou-me que o corpo pertencia a um jovem negro de jaleco, amordaçado e com as mãos atadas.Fiquei o resto do dia matutando sobre o crime. Elaborei uma série de teorias a respeito do jovem negro de jaleco. É o grande passatempo carioca, que desperta a fantasia e ocupa alegremente nossas tardes de domingo: quem é o morto? Só consegui obter a resposta exata algum tempo depois, numa matéria de O Globo. Nome: Rômulo Luiz dos Santos. Idade: 18 anos. Antecedentes penais: roubo de carro e assalto a mão armada. Causa mortis: ferida com objeto contundente. Exame do corpo: sinais de tortura, com queimaduras e pancadas na cabeça.