quarta-feira, 28 de março de 2007

ISTO É DINHEIRO DE 28 DE MARÇO

DESTAQUES

- O ultra negócio da venda da Ipiranga - Os personagens, os bastidores, os efeitos e as polêmicas da transação de US$ 4 bilhões que uniu Petrobras, Ultra e Braskem para arrematar o Grupo Ipiranga e, com isso, mudar a cara da petroquímica e da distribuição de combustíveis no Brasil. #
Mauro Gandra - "As panes no controle aéreo são estranhas" - Ministro da Aeronáutica durante o governo FHC e ex-diretor-geral do DAC, brigadeiro não acredita em falhas técnicas e diz que o apagão na aviação brasileira foi causado por uma crise política.
Miguel Jorge na direção do desenvolvimento - Lula buscava um empresário, mas levou um hábil executivo, que chega com a missão de acelerar. #
Éramos ricos e não sabíamos - Como num passe de mágica, o IBGE acelerou o crescimento. E de uma maneira tão simples que pareceu até ilusória. Na prática, bastou alterar a metodologia de cálculo do PIB, trocando a régua de medição, para que a soma das riquezas nacionais crescesse 10,9%. Isso fez com que o PIB saltasse de R$ 1,9 trilhão para R$ 2,1 trilhões. E, do dia para a noite, o Brasil voltou a ser a nona maior economia do mundo, superando Rússia, Espanha, Canadá, Coréia do Sul e México.
Crise no agronegócio - O rombo da Kepler - Controlada pelo Banco do Brasil e pelos fundos de pensão, a maior fabricante nacional de silos só escapará da falência se receber ajuda oficial.
O combustível do maior negócio do País - Como foi e quem articulou a transação de US$ 4 bilhões que uniu o Grupo Ultra, a Petrobras e a Braskem para arrematar o Ipiranga e, assim, mudar de forma inédita o setor petroquímico brasileiro.
A jogada de Ermírio - Votorantim leva siderúrgica colombiana em leilão milionário. O que ela pretende?
É hora de passar o quepe - O Aerus, fundo de pensão dos funcionários da Varig e Transbrasil, agoniza e deixa órfãos milhares de beneficiários. A única saída é o governo assumir o problema.

TEXTOS
MIGUEL JORGE NA DIREÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
LULA BUSCAVA UM EMPRESÁRIO, MAS LEVOU UM HÁBIL EXECUTIVO, QUE CHEGA COM A MISSÃO DE ACELERARPor leonardo attuch e hugo studart
Na véspera de completar 62 anos, o executivo Miguel Jorge, vice-presidene do Santander, foi chamado para uma reunião em Brasília. Ao entrar no Palácio do Planalto, na tarde da quarta-feira 21, o presidente Lula o esperava ansioso. Queria definir uma peça estratégica no tabuleiro da reforma ministerial. Assim que o viu, Lula o chamou de “Miguelão” e o abraçou. Em seguida, os dois fizeram uma breve viagem no tempo. Primeiro, voltaram à década de 70, quando Lula organizava greves e o jornalista Miguel Jorge, então no comando de O Estado de S. Paulo, dedicava páginas e mais páginas ao promissor sindicalista. Depois, relembraram uma história dos anos 90, quando Miguel já havia trocado as redações pelo mundo corporativo e estava na Volkswagen. Em meio a uma greve duríssima, ele recorreu a Lula, que foi seu interlocutor secreto para apagar o incêndio. Naquele momento, o sindicalismo moderado prevaleceu sobre a ala radical e a Volks pôde implementar seu projeto de automação industrial. De volta ao presente, Lula foi direto ao ponto. “Preciso de você no governo”, disse ele. Miguel, que já planejava se mudar para o litoral da Bahia, não titubeou. Adiou a aposentadoria e aceitou o convite para ser ministro do Desenvolvimento. “Foi uma convocação”, disse a um amigo. Em seguida, Lula telefonou para Luiz Fernando Furlan, o titular da pasta, e o chamou a participar da conversa. Ficou acertado que os dois embarcam juntos para o Uruguai no domingo 25, antes da posse de Miguel Jorge em Brasília, que será na quarta-feira 28. “Ele vai começar a trabalhar antes mesmo de receber”, brincou Furlan.
Miguel Jorge não foi a primeira opção para o Desenvolvimento. O presidente já havia sondado Jorge Gerdau, o barão do aço, e Maurício Botelho, da Embraer. Ainda assim, Miguel tem um perfil bem próximo ao que Lula vem buscando. Depois de uma gestão eficiente na área internacional, que fez com que as exportações saltassem de US$ 60 bilhões para US$ 142 bilhões e elevou o superávit de US$ 13 bilhões para US$ 45 bilhões, o governo procurava alguém que pudesse liderar uma agenda voltada para os desafios internos. Miguel, que foi executivo da Autolatina e da Volks no tempo das câmaras setoriais, oferecia essas qualidades. Não se espere dele, no governo, um discurso contra a valorização do real em relação ao dólar. “Ele não vai entrar em guerras perdidas”, diz um amigo. Mas pode-se cobrar de Miguel uma atividade intensa no sentido da desoneração tributária de várias cadeias produtivas. “Ele tem vários talentos que eu mesmo não possuo”, admite Furlan.
Além de uma amizade com o presidente Lula que já dura mais de 30 anos, Miguel Jorge contou com dois grandes aliados para chegar ao Desenvolvimento. Um deles foi o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, com quem Miguel é unha e carne. Em várias ocasiões, eles estiveram na mesma mesa de negociações, ainda que em lados opostos. “O Miguel é uma pessoa que constrói consensos sem criar conflitos e que tem o perfil ideal nesse novo desenho do ministério”, diz o empresário Mário Garnero, que já trabalhou com ele na Volkswagen. Seu outro aliado, tão importante quanto Luiz Marinho, foi o ex-ministro Antônio Palocci, hoje deputado federal. Em 2002, antes da disputa presidencial, Miguel já estava no Santander e aproximou Palocci dos grandes banqueiros nacionais. Isso ajudou o PT a arrecadar recursos de campanha e também deu ao Santander importantes vitórias. O banco, que comprou o Banespa, conseguiu manter as contas do funcionalismo nas prefeituras administradas pelo PT e, quando surgiu a oportunidade do crédito consignado, o Santander teve uma postura francamente favorável, ao contrário dos grandes bancos nacionais, como o Itaú e o Bradesco.
Alto, encorpado e dono de um bigode que impõe respeito logo de cara, Miguel está acostumado a mandar desde jovem. Foi chamado pela família Mesquita para chefiar o tradicional O Estado de S. Paulo com pouco mais de 30 anos de idade. Apesar da experiência de comando, distribuir ordens não é do seu feitio. Seu estilo é muito mais suave e discreto. Ao longo de sua carreira corporativa, ele comprou apenas duas brigas públicas. Uma delas foi com o ex-presidente Fernando Collor, quando ele definiu os veículos nacionais como “carroças”. A outra foi com o executivo italiano Pacífico Paoli, que fez a Fiat superar a Volkswagen com o sucesso do carro popular, que contava com um regime tributário diferenciado. Neste caso, Miguel Jorge derrapou ao dar vazão a uma certa xenofobia, dizendo que um estrangeiro não poderia ditar as regras da indústria automobilística. “Brigávamos em campos opostos e ele tinha que defender os interesses da Volks”, disse Paoli à DINHEIRO. “Desejo muito sucesso e acho que ele está à altura do cargo.”
O desempenho de Miguel Jorge no Desenvolvimento, porém, pode ser prejudicado pela falta de instrumentos. Assim como seus antecessores, ele não terá nas mãos o BNDES, que é a principal jóia da coroa. Com um orçamento da ordem de R$ 50 bilhões, o banco de fomento deve continuar comandado por Demian Fiocca, que é ligado ao ministro da Fazenda, Guido Mantega. Sob as asas de Miguel, ficariam a Suframa, que cuida da Zona Franca de Manaus, e a Agência de Promoção das Exportações. No entanto, ele poderá ganhar espaço aos poucos, com paciência e habilidade. Nos artigos quinzenais que publica nos jornais Gazeta Mercantil e Correio Braziliense, Miguel tem feito elogios rasgados ao Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Com isso, ganhou pontos com Lula e Mantega.
Pego de surpresa pelo convite, Miguel não teve tempo sequer de festejar o aniversário com a esposa, Charlotte, com quem é casado há 37 anos. Na quinta-feira 22, ele amanheceu na ante-sala de Gabriel Jaramillo, presidente do Santander, a quem comunicou sua saída. Jaramillo entendeu suas razões e agradeceu a Miguel pelos seis anos de dedicação ao banco, que hoje é a instituição estrangeira com melhores condições de competir com Itaú e Bradesco. Difícil mesmo será adiar a mudança para a mansão que ele acaba de construir na paradisíaca península de Maraú, na Bahia. Lá, ele planejava levar uma vida de pescador, enquanto Charlotte assumiria uma escola municipal que o casal construiu. “A vida me deu muito mais do que eu merecia e chegou a hora de devolver”, dizia Miguel. Depois do convite de Lula, ele terá de retribuir no setor público.
REPORTAGEM DE CAPA
IPIRANGA O COMBUSTÍVEL DO MAIOR NEGÓCIO DO PAÍS
COMO FOI E QUEM ARTICULOU A TRANSAÇÃO DE US$ 4 BILHÕES QUE UNIU O GRUPO ULTRA, A PETROBRAS E A BRASKEM PARA ARREMATAR O IPIRANGA E, ASSIM, MUDAR DE FORMA INÉDITAO SETOR PETROQUÍMICO BRASILEIROpor joaquim castanheira
Uma das mais longas e arrastadas novelas do mundo corporativo brasileiro terminou de forma repentina e surpreendente na semana passada. Há mais de sete anos, o Grupo Ipiranga, um colosso de R$ 31 bilhões de faturamento, estava à venda pelas cinco famílias que o controlavam e não mais se entendiam. Finalmente, uma proposta bilionária foi colocada sobre a mesa dos representantes desses clãs e, em apenas 48 horas, a transação estava consumada. Assim, na manhã do dia 19 de março, José Sérgio Gabrielli, Pedro Wongtschowski e José Carlos Grubisich, presidentes da Petrobras, do Grupo Ultra e da Braskem, reuniram imprensa e analistas de mercado para anunciar a aquisição do controle do Ipiranga por US$ 4 bilhões, no maior negócio já realizado em território brasileiro. Na mesma mesa, ao lado dos chefões dos compradores, estava Pércio de Souza, o homem responsável pelo desenho dessa operação e pela aproximação dos parceiros. Ao final de quase oito meses de negociação, as três empresas dividiram entre si as ramificações de um dos cinco maiores grupos empresariais do País. O Ultra levou a maior parte da rede de postos de combustíveis Ipiranga, incluindo a marca. Petrobras e Braskem dividiram o braço petroquímico e, com isso, se tornarão os únicos donos da Copesul, a central de matéria-prima do Pólo de Triunfo, no Rio Grande do Sul.
Os efeitos dessa transação não se esgotam numa simples troca de comando. Ao assinar os contratos, esses senhores deram um largo passo no processo de reestruturação da petroquímica nacional, iniciado em julho de 2001, quando o grupo Odebrecht arrematou a Copene e deu origem à Braskem. O anúncio do dia 19 de março também significou uma reviravolta no mercado de distribuição de combustíveis com a entrada de um novo participante, o Ultra, e o fortalecimento da líder absoluta no setor, a Petrobras. A movimentação ergueu ainda uma barreira diante de concorrentes estrangeiros, eventualmente interessados em desembarcar ou reforçar sua presença por aqui. Ao longo dos últimos anos, companhias como Esso, Repsol e a PDVSA, a estatal do petróleo da Venezuela, lançaram olhares sobre o Ipiranga. Agora, os planos dos possíveis interessados se tornam mais caros ou até inviáveis. Nos momentos seguintes ao anúncio, a euforia dos executivos passou a conviver com uma série de pontos de interrogação. O principal deles se refere à frenética compra, e à conseqüente valorização, de ações da Ipiranga na semana anterior ao fechamento do negócio. Imediatamente, a Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, instaurou inquérito para investigar o uso de informações privilegiadas por parte de alguns investidores. A Comissão de Minas e Energia, da Câmara Federal, aproveitou a carona e convocou os presidentes das empresas compradoras para comparecer a uma audiência que discutirá o assunto. A aquisição colocou de sobreaviso os acionistas minoritários do Ipiranga. Corretoras como a Hedding Grifo já questionaram os cálculos feitos pelo Deutsche Bank para a troca desses papéis por ações do Grupo Ultra. Mais: o Cade analisará o meganegócio, sobretudo no que diz respeito à distribuição de combustíveis – a Petrobrás aumentou sua participação para 33%. Nada disso parece capaz de comprometer as bases da transação que, quando concluída no final deste ano, terá fatiado aquele que até agora era o terceiro maior grupo privado brasileiro – e como tantos outros acabou por desavenças internas e pela falta de visão das famílias que o controlavam.
CINCO PERSONAGENS
Como crescer cinco vezes
Fosse uma festa de premiação do Oscar, e a célebre frase “O vencedor é ...” seria concluída com o nome de Paulo Cunha. Há anos comandante do Grupo Ultra, hoje recolhido ao conselho de administração, buscava um negócio que, de uma só tacada, colocasse a empresa em um patamar inédito. No dia 18 de março, domingo, seu objetivo foi atingido. Juntamente com Petrobras e Braskem, o Ultra arrematou o grupo Ipiranga e, na divisão, coube-lhe 3.360 postos de combustíveis instalados no Sul e Sudeste do País, o equivalente a 75% da rede. Na realidade, Cunha não levaria a estatueta sozinho. A seu lado, deveria estar o engenheiro químico Pedro Wongtschowski, seu sucessor na presidência executiva desde o primeiro dia deste ano e herdeiro do mesmo estilo discreto que sempre foi sua marca registrada. Com a aquisição, Wongtschowski abre sua gestão com chave de ouro. “É o maior negócio de nossa história”, afirma ele, que, embora tenha nascido em São Paulo, carrega um leve sotaque, herança dos pais alemães. “O Ipiranga sempre foi nosso alvo preferido, pois tem uma excelente rede, marca forte e os mesmos padrões de atuação que seguimos.”
Petrobras e Braskem também saíram-se bem da iniciativa.
Ambas fortaleceram posições em setores nos quais já atuavam. Enfim, farão mais do mesmo. Para o Ultra, porém, o negócio transformou-se no maior salto estratégico de sua trajetória. Num só lance, as receitas do grupo saltaram de R$ 5 bilhões para R$ 24 bilhões, quase cinco vezes mais. Mais: com a compra, o Ultra assume a vice-liderança, com 14,7% de participação, em um mercado onde nem sequer atuava. Era uma necessidade. Bem posicionada na distribuição de gás de cozinha, a empresa amargava a estagnação desse setor nos últimos anos. Mas, no caso da distribuição de combustíveis, a situação é diferente. As taxas de crescimento atingem mais de 8% ao ano e as perspectivas, com os combustíveis alternativos, são promissoras. O Ultra não é neófito na atividade. “Há pontos fundamentais em comum entre Ultra e Ipiranga”, afirma Wongtschowski. Ambos acumulam uma larga experiência na gestão de redes de distribuição. Outro: também manejam estruturas logísticas complexas. E os dois lidam com produtos de varejo para o consumidor final – o Ipiranga comercializa gasolina, álcool e lubrificantes e o Ultra, gás de cozinha com a marca Ultragaz.
Nos próximos meses, Wongtschowski definirá a estratégia de crescimento para o negócio que acaba de arrematar. As regiões Norte e Nordeste serão seu grande desafio. Lá, a Petrobras manterá o direito de uso da marca Ipiranga pelo prazo de cinco anos. Mas nada impede o Ultra de atuar naqueles Estados. A saída poderá ser o uso de outra bandeira, como a Atlantic (aquela cujo slogan era Serviço Nota 10), herdada da própria Ipiranga. Não é um nome envelhecido, que caiu no esquecimento? Wongtschowski não concorda. A experiência com marcas de consumo lhe trouxe lições. “A Ultragaz ficou dez anos fora do Rio de Janeiro. Voltamos recentemente e ela continua viva na memória da população”, explica.
Caminho para ser uma das 10 maiores do mundo
Logo após o anúncio da compra do Grupo Ipiranga, no final da manhã do dia 19 de março, o executivo José Carlos Grubisich, presidente da Braskem, circulava eufórico entre jornalistas, analistas e assessores diretos. “Nossas ações estão subindo 10%”, dizia a quem encontrava pela frente. O pregão mal havia começado e, quando foi encerrado, a valorização dos papéis ficou em 11%. Era o atestado de que os investidores haviam aceitado bem (muito bem, aliás) o negócio. Afinal (como Grubisich martelou ao longo do dia em diversos encontros) de uma só vez, o faturamento da empresa cresceu 40% e atingiu cerca de US$ 10 bilhões. A geração de caixa dobrou, para US$ 1,5 bilhão. A Braskem desembolsará o equivalente a US$ 1,3 bilhão para levar com 60% do braço petroquímico do Ipiranga, com quem dividia o controle da Copesul, a central de matérias-primas do Pólo de Triunfo (RS). Nos próximos meses, a Braskem fará uma oferta pública para fechar o capital da Copesul. Ao final desse processo, ficará com 64% da central e a Petrobras com o restante. “Mesmo com a compra, a relação entre nossa dívida e a geração de caixa não se alte-rará e permanecerá em 2,7 vezes”, diz Grubisich.
A compra empurrará a Braskem para mais perto de suas metas. Até 2010, a companhia quer figurar entre as dez petroquímicas mais valiosas do mundo. Encontra-se na 12º posição. Além disso, o negócio tem um sabor especial para Grubisich. Em 2001, ele largou um emprego na Rhodia em Paris e voltou para assumir o comando da recém-criada Braskem, uma fusão da Copene com diversos ativos do grupo Odebrecht. Altamente endividada, cercada de desconfiança e estagnada, poucos acreditavam no sucesso da empreitada. Hoje, a empresa é a maior petroquímica da América Latina, exporta quase 25% de sua produção e participa de planos de investimentos superiores a US$ 3 bilhões no Brasil e na Venezuela. No mercado, todos vêem o dedo da Grubisich nessa reviravolta.
Uma barreira contra a invasão estrangeira
Bem que o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, tentou negar. Mas poucos analistas do setor de petróleo acreditaram que o maior interesse da Petrobras na megatransação de US$ 4 bilhões eram os ativos da Ipiranga. A estatal mirou pelo menos três outros objetivos. O primeiro deles era destrinchar o nó acionário na Ipiranga que amarrava qualquer tentativa de expansão do pólo petroquímico do Rio Grande do Sul. Outro, fruto do anterior, residia na oportunidade de deslanchar o processo de reestruturação no setor petroquímico. Terceiro: barrar concorrentes estrangeiros, que viam no Ipiranga uma excelente porta de entrada para o mercado brasileiro. Isso levou a Petrobras a colocar na mesa cerca de US$ 1,1 bilhão para ficar com 40% da área petroquímica do Ipiranga e 833 postos da bandeira nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. De quebra dividiu em três partes iguais a refinaria do grupo, de onde são extraídos 17 mil litros de petróleo por dia.
A importância da aquisição levou Gabrielli a desembarcar em São Paulo na sexta-feira, 16 de março, em São Paulo, e mergulhar em intermináveis reuniões no final de semana na sede da Estáter, um pequeno espaço num edifício modernoso na zona sul de São Paulo. Os encontros começavam logo cedo e se estendiam até a noite. No domingo, o presidente da estatal voltou para o hotel depois da meia-noite. Às sete da manhã da segunda-feira estava no escritório dos advogados dos compradores para assinar os contratos. Duas horas depois, dava início à entrevista coletiva para detalhar a transação. Na descrição da operação foi ficando claro o papel da Petrobras no modelo do setor petroquímico: participações significativas nas centrais de matérias-primas de cada um dos três polos, deixando o controle para a iniciativa privada. Assim, é em Camaçari. Assim, será em Triunfo. Falta o chamado pólo do Sudeste, localizado em São Paulo. Ali, a presença estatal na Petroquímica União, a central de matérias-primas, é diminuta. Poucos duvidam que em breve haverá uma reorganização societária na empresa. A participação da Petrobras na aquisição do Ipiranga é o sinal verde para essa iniciativa.
O arquiteto e empreiteiro da grande transação
Quando decidiu desenhar um modelo que possibilitasse a aquisição do Grupo Ipiranga, o consultor Pércio de Souza, dono da Estáter, tinha duas certezas na mente. Primeira: a iniciativa deveria partir dos compradores – os vendedores jamais chegariam a um consenso na elaboração de uma proposta. Segunda: deveria haver o que ele chama de “motivação estratégica” de alguma corporação. Se fosse visto apenas como um negócio de oportunidade, a coisa não avançaria. Dessa forma, aos 43 anos, o paranaense Souza tornou-se arquiteto e empreiteiro do maior negócio do capitalismo brasileiro. Engenheiro civil de formação, negociador de profissão, Souza concebeu a operação, identificou os interessados e traçou a estratégia de articulação entre os três compradores e as cinco famílias vendedoras. “Os astros conjugaram a favor”, diz ele, tentando demonstrar humildade, mas sem disfarçar uma ponta de orgulho. O passo inicial foi ligar para um antigo conhecido, Fabio Schvartsman, diretor financeiro do Ultra, justamente o grupo onde Souza viu a motivação estratégica. O time comandado por Pedro Wongtschowski recebeu a sondagem de braços abertos.
Só que o interesse do Ultra não se estendia aos ativos petroquímicos. Quem poderia ser o parceiro? A Petrobras, ansiosa para acabar com a paralisia do pólo petroquímico do Sul, aceitou de bate-pronto. Mas a presença da Braskem se impôs. A empresa tinha preferência de compra da participação do Ipiranga na Copesul – sem ela o negócio poderia melar. Souza conhecia o Ipiranga por dentro e sabia que o emaranhado societário poderia atrapalhar os planos. Eram três empresas que possuíam participações umas nas outras. Além disso, as cinco famílias tinham fatias diferentes em cada uma delas. Diante desse labirinto, ele resolveu simplificar. Na prática, o Ultra compraria a totalidade do Ipiranga e, a partir daí, venderia as partes para os dois sócios. Faltava o lado vendedor. Souza tinha consciência de que as discussões se estenderiam exaustivamente entre as cinco famílias, o que levaria as negociações a um impasse. Então, procurou o Banco Pátria, envolvido em um trabalho interno no Ipiranga, e avisou. “Tenho uma proposta de compra cujo valor será revelado na sexta-feira, dia 16 de março, depois do fechamento do mercado de capitais. Esperaremos a resposta apenas até o domingo à noite.” Mais: a oferta de US$ 4 bilhões era a primeira e a única. Outra: não haveria due dillegence e a compra se daria com a “porteira fechada”. Deu certo. Na madrugada de domingo para segunda, Souza foi para casa dormir e o Grupo Ipiranga tinha novos donos.

O legado e o fim de uma sociedade de décadas
Na quinta-feira, 22 de março, o empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira apanhou o carro e subiu a Serra de Petrópolis rumo a alguns dias de descanso. Em outras ocasiões, ele faria a viagem apenas na sexta-feira à noite. Mas a semana fora particularmente especial, uma das mais marcantes de sua vida. No sábado e domingo anteriores, Vieira e representantes de outras quatro famílias passaram noites em claro analisando a proposta de compra do Ipiranga, o gigante fundado em 1933 no RS. “A proposta foi excelente”, conta ele. Os vendedores embolsaram US$ 1 bilhão. Desse total, US$ 730 milhões corresponderam às ações que sustentavam o acordo de acionistas. É uma fortuna, mas Vieira ficou dividido. “Racionalmente não havia o que fazer. A petroquímica requer escala mundial. Embora o Ipiranga vá desaparecer na forma como existe hoje, a marca, os empregos e as instalações continuarão existindo”, diz ele. “O trabalho de décadas não se perdeu.”
Emocionalmente, porém, ele ainda está digerindo as mudanças. O sobrenome Gouvêa Vieira sempre foi associado ao Ipiranga. Isso se devia à intensa militância de Pedro, pai de Eduardo Eugênio, no setor. Um traço que Eduardo carrega consigo. Hoje, ele é presidente da Firjan, a federação das indústrias do Rio. Em suas veias, porém, corre o sangue da química. Sócio de duas companhias do setor, ele busca novas oportunidades. No ano passado, montou um grupo de investidores para disputar a Light. “Não tivemos sucesso, mas continuaremos atrás de bons negócios”, afirma. Capital não faltará. Antes, porém, dedicará alguns dias ao descanso na região serrana do Rio.

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VAZOU. E A PUNIÇÃO?
A venda de ações do Grupo Ipiranga é um elefante em meio a milhares de formiguinhas bem informadas do mercado acionário brasileiro. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) admite que mais de 25% dos negócios de fusões e aquisições no Brasil devem ter algum tipo de vazamento. A “confissão” é do presidente da CVM, Marcelo Trindade, o que demonstra a fragilidade do sistema para coibir a informação privilegiada. As ações ordinárias da refinaria Ipiranga movimentaram R$ 976 mil duas semanas antes da negociação. Na semana seguinte o volume foi de R$ 23,9 milhões, sendo R$ 13,2 milhões na sexta-feira 16. A CVM detectou esse desvio padrão e solicitou esclarecimentos ao Grupo Ipiranga já na segunda-feira 19. “A melhor medida seria suspender todas as transações que ocorrem antes de um fato relevante”, diz Keyler Carvalho Rocha, professor de finanças da FEA-USP . Pelas apurações iniciais da CVM, um fundo estrangeiro investiu R$ 3,3 milhões e ganhou 69%. Um investidor brasileiro desembolsou R$ 970 mil e ganhou 40%. Grande parte das operações passou pela SLW Corretora de Valores. A lentidão no julgamento, porém, é uma marca da autarquia brasileira. Há processos que estão parados há cinco anos esperando a sentença. E não existem brasileiros presos por informação privilegiada.
BILL GATES VALE TANTO?
A RESPOSTA É NÃO - SE SUA FORTUNA E PODER FOREM COMPARADOS AOS DE EMPRESÁRIOS COMO ROCKEFELLERpor darcio oliveira
Quanto vale Bill Gates? US$ 56 bilhões, segundo o último ranking da Forbes. Eis aqui alguns exemplos do que se pode fazer com a fortuna. Que tal comprar 56 mil Ferrari Enzo, a máquina mais cara da montadora italiana? Ou montar 20 times de futebol, cada um deles com 11 David Beckham, o jogador mais valioso da atualidade? Daria, ainda, para viajar à Lua 2,8 mil vezes, de acordo com os preços da Estação Espacial Russa. Toda vez que sai uma lista dos endinheirados do planeta, geralmente se vê esse tipo de comparação nas principais publicações de economia e negócios. Façamos a conta, agora, por outros parâmetros. O produto Interno Bruto dos Estados Unidos é de US$ 12 trilhões. Bill Gates, então, representa pouco menos de 0,5% do PIB de seu país. Se George Bush exigisse, o empresário não conseguiria financiar nem 30% do orçamento anual para a operação bélica no Iraque. E se Néstor Kirchner implorasse, Gates não teria condições sequer de comprar metade da Argentina. Será que os US$ 56 bilhões valem tanto assim?
Vamos, então, a John D. Rockefeller. Se estivesse vivo hoje, o homem que construiu o império Standard Oil – dono de 95% do petróleo entre o final do século XIX e começo do XX -- teria um patrimônio de cerca de US$ 200 bilhões. A conta foi feita pelo site Askmen.com, a partir de uma equação que leva em conta inflação, crescimento do PIB e flutuações monetárias. Rockefeller, então, vale quatro Gates. Poderia comprar não só a Argentina, mas também o Chile e a Colômbia. E financiaria, sozinho, a invasão no Iraque. Ah, sim: em 1913, seu patrimônio era de US$ 900 milhões ou 2% do PIB dos EUA na época.
Mas quando o assunto é valor, existe uma outra medida nessa história que vai além do dinheiro. Se é verdade que no mundo corporativo o poder é uma moeda que vale tanto quanto a fortuna, então o abismo entre Gates e os homens do passado é imenso. Considere o próprio Rockefeller. O presidente americano no começo do século XX, Theodor Roosevelt, era incapaz de mover uma palha antes de falar com o empresário. Até porque boa parte dos interesses da República eram financiados com o cofre do magnata. Em troca, o dono do petróleo recebia favores políticos – como a concessão de rodovias e a subordinação de empresas férreas para o transporte de seus combustíveis. Outro da lista dos bilionários do passado, Nathan Rothschild, era uma águia quando o assunto envolvia prestígio e artimanhas nos salões federais. Dono de um império bancário na Europa, ele jogava com rara maestria até entre governos inimigos. Ficou famosa, por exemplo, a atuação de Rothschild nas guerras napoleônicas. Ele financiou as forças inglesas que derrotaram Bonaparte na batalha de Waterloo (1815), mas também emprestou algum dinheiro às tropas francesas. E nessa guerra, em especial, Rothschild multiplicou seu patrimônio. O banqueiro, com filiais na Inglaterra e na França e com grande prestígio junto à armada dos dois países, montou um sistema de informações para acompanhar o embate, tendo autorização para colocar in loco observadores visuais da luta. Quando o Duque de Wellington estava prestes a vencer a batalha para os ingleses, os emissários do banqueiro galoparam em direção a Londres levando o iminente resultado de Waterloo. O banco Rothschild iniciou naquele momento uma avassaladora oferta de títulos da coroa britânica no mercado, sinalizando que a Inglaterra estaria a ponto de capitular. Um blefe, que levou de roldão boa parte dos investidores londrinos, também afoitos para negociar seus papéis. Pouco depois, Rotschild comprou a maioria dos títulos em oferta, a preço de banana. Quando Wellington voltou vitorioso, as ações valiam ouro.
Gates, até onde se sabe, nunca demonstrou a mesma influência no alto escalão. Dizem até que as constantes ameaças, por parte dos órgãos antitrustes, para frear práticas monopolistas da Microsoft, não seriam tão constantes se o bilionário tivesse um trânsito melhor na Casa Branca.
Pode até ser. Mas é bom lembrar que mesmo o poderoso Rockefeller enfrentou a fúria anti-truste do começo do século XX – o problema, segundo historiadores, foi que o governo da época se sentiu ameaçado pelo gigantismo do império Rockefeller. Teorias à parte, vale ressaltar que estamos falando de empresários de setores distintos e, principalmente, de eras completamente diferentes. Os EUA de Rockefeller eram um país sem regras econômicas muito claras, recém-saído do isolamento rural do século XIX para o universo industrial do século XX e ainda pouco afeito às normas do capitalismo. Enriquecer naquele tempo, portanto, parecia mais fácil. E Rockefeller, assim como outros, abusou do bom faro para oportunidades, principalmente na área de infra-estrutura. Eram industriais com I maiúsculo, quando a palavra ainda englobava monopólios, prestígio, poder e fortuna. “Mas a figura do industrial clássico está desaparecendo”, diz o professor Rubens Sawaya, doutor da faculdade de Economia da PUC de São Paulo e autor do livro Subordinação Consentida. “Hoje, podemos falar de fortuna e poder das corporações. É capitalismo de empresas e não de pessoas.” Dito de outra forma, são as criaturas engolindo seus criadores, um fenômeno que o economista Joseph Schumpeter definiu como fragmentação do mercado. Repare bem nos maiores bancos do mundo, nas maiores siderúrgicas, nas maiores empresas de bebidas, varejo, petróleo... Quem é o dono de cada uma dessas corporações? Uma penca de investidores. Quem é o Rockefeller de hoje? Centenas de sheiks na Arábia Saudita. “Estamos no tempo de despersonalização do proprietário”, diz Sawaya.
O fato é que a ordem econômica mudou. Olhe atentamente para os primeiros lugares do ranking das maiores fortunas e você verá duas classes: os detentores de tecnologia e os compradores de fortuna. Na primeira fileira, alinham-se Bill Gates, Paul Allen, Larry Elisson, homens que construíram patrimônio em cima do pioneirismo tecnológico. Mas eles sabem também que esse conhecimento foi disseminado e que a cada ano surge uma turma do Vale do Silício pronta para destroná-los. Prova disso é que a fortuna de Gates está na casa dos US$ 50 bilhões há quatro anos. “Gates ainda é exceção. Mas vai resistir a esta tendência de fragmentação? Difícil dizer”, avalia Sawaya. Na segunda fileira, estão Warren Buffet e Carlos Slim Helú. São, como já foi dito, os compradores de fortunas, empresários com ações em várias companhias – caso de Buffet – e experts em privatizações, caso de Slim. Os dois, aliás, estão reduzindo a distância em relação a Gates. Buffet, que já foi US$ 10 bilhões “mais pobre” do que o dono da Microsoft, hoje está a US$ 4 bilhões da fortuna do criador do Windows. Slim, por sua vez, somou US$ 49 bilhões. Está a US$ 7 bilhões de Gates. “O que acontecerá daqui para a frente é o aumento do topo da pirâmide. Mais compradores de fortuna, com participação em diversas empresas, entrando para o clube dos bilhões”, diz Sawaya. Te cuida, Gates!
US$ 56 bilhões é o patrimônio pessoal de Bill Gates. Há 13 anos consecutivos, o dono da Microsoft é o homem mais rico do mundo

OS MAGNATAS
US$ 200 BILHÕES
É a fortuna atualizada de John D. Rockefeller, queentre o final do século XIX e começo do XX era o imperador do petróleo
US$ 110 BILHÕES
É a riqueza, também corrigida, de Andrew Carneggie,o empresário escocês que se destacou no ramoda siderurgia
US$ 52 BILHÕES
É o patrimônio que o megainvestidor Warren Buffet construiu com participações acionárias emvárias empresas
US$ 49 BILHÕES
É a fortuna de Carlos Slim, mexicano que virou o rei das aquisições e que não perde nenhum leilão de privatização

62% DOS PAULISTANOS TÊM DÍVIDAS
SEGUNDO A PEIC DA FECOMERCIO, A SITUAÇÃO AFETA 67% DOS CONSUMIDORES QUE GANHAM
O número de consumidores endividados na cidade de São Paulo atingiu 62% dos entrevistados em março, o que representa alta de um ponto percentualem relação ao mês anterior. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (PEIC), em comparação ao mesmo período do ano passado, houve queda de 2 pontos percentuais. A situação do endividamento é mais grave entre os consumidores com rendimentos entre 3 a 10 salários mínimos: 67% contra 65% em fevereiro. A PEIC é apurada mensalmente pela entidade desde fevereiro de 2004. Os dados são coletados junto a cerca de 1.360 consumidores no município de São Paulo.Segundo análise do presidente da Fecomercio, Abram Szajman, o aumento no > total de endividados é fruto da aquisição de novos empréstimos - contraídos para quitar as dívidas de início do ano, como IPTU, IPVA, material escolar, entre outras."Se não tivermos um crescimento significativo de renda e emprego, esta situação contribuirá para o aumento da inadimplência e inibirá a contratação de novos empréstimos - o que a longo prazo poderá afetar o comércio", ressalta Szajman.
A situação dos inadimplentes - endividados com contas em atraso - também apresentou piora, passando de 40% em fevereiro para 41% neste mês. Já na comparação com o mesmo período do ano anterior, houve queda de um ponto percentual. Já o comprometimento da renda, indicador do percentual de rendimentos empenhados com o pagamento de dívidas, ficou estável no mês, mantendo-se em 33%. Vale ressaltar que apesar da estabilidade, esse patamar ainda é muito elevado. Em março, os consumidores que declararam intenção de pagarem, total ou parcialmente, suas dívidas em atraso atingiu 66%, alta de um ponto percentual em relação ao mês anterior. A parcela dos que informaram que não poderão pagar os compromissos, atingiu 34%, contra 33% em fevereiro. Quanto ao prazo médio de endividamento, predomina o intervalo de três meses a um ano, atingindo 43%, contra 46% no período anterior. Para 22% dos entrevistados, as dívidas vencem em até três meses e, para 34%, o período é superior a um ano. Dos que ganham até três salários mínimos, 65% afirmam possuir dívidas voluntárias. Na faixa acima de 10 salários, 55% encontram-se nessa situação. A inadimplência, por sua vez, distribui-se da seguinte forma: dos que ganham até três salários mínimos, 59% afirmam possuir dívidas em atraso; na faixa de três a 10 salários, 39% encontram-se nessa situação; e, no universo dos que recebem rendimentos acima de 10 mínimos, 25% declaram pendências.
Com relação ao comprometimento da renda, os que ganham até três salários mínimos apresentam cerca 35% de seu orçamento comprometido com dívidas. Na faixa de três a 10 salários, 33% têm sua renda empenhada com dívidas. Entre os consumidores com rendimentos superiores a 10 mínimos, este percentual é de 30%. Na análise segmentada por faixa etária, a proporção de consumidores com menos de 35 anos estão endividados é maior: 64% contra 59% dos entrevistados com idade acima deste patamar. Já entre homens e mulheres não houve diferença: 62% do universo em ambos os casos pesquisado encontra-se endividado. Conclui -se que a situação em relação ao endividamento é mais grave entre os que ganham até 3 mínimos, e atinge mais de um terço de seu orçamento. Os dados indicam que quanto menor o nível de renda, maior é o de endividamento e mais provável é o atraso do pagamento, por conta do comprometimento da renda com gastos de primeira necessidade. A inadimplência é um dos principais indicadores na análise de concessão de novos empréstimos e impacta diretamente na taxa de juros ao consumidor. Quando analisada a intenção de pagamento das contas em atraso, observa-se que, quanto maior a renda, mais acentuada é a disposição em quitá-las: 73% dos que ganham entre 3 e 10 salários mínimos e 94% dos entrevistados com rendimentos superiores a este patamar. Já entre os que recebem até 3 mínimos, o percentual é de 48%.

"A China não exporta só bugiganga"
FLÁVIO CASTELO BRANCO
Economista da CNI, que mediu o impacto da concorrência chinesa no Brasil, aponta dados alarmantes. Os asiáticos estão tomando o lugar das empresas nacionais até em mercados mais sofisticados Por octávio costa
Não é segredo para ninguém que o mercado brasileiro foi invadido por produtos chineses. Só não se tinha idéia do impacto da concorrência sobre a indústria nacional. Agora, o estrago ganhou a devida dimensão, graças a uma sondagem especial realizada pela Confederação Nacional da Indústria. A pesquisa ouviu 1.367 empresas de pequeno e médio portes e 214 de grande porte e chegou a uma conclusão alarmante: no mercado interno, uma em cada quatro empresas (26%) já concorre com mercadoria chinesa. Os setores que mais sofrem são têxteis, de calçados e de vestuário. No front externo, a disputa também faz baixas. A China já roubou clientes de 58% de exportadores brasileiros que competem com suas mercadorias. Cerca de 7% deles simplesmente desistiram de exportar. Responsável pela sondagem, o gerente-executivo de política econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, espantou-se com o resultado. Em entrevista à DINHEIRO, ele destacou que, ao contrário do que ocorria no passado, “a China hoje não exporta bugigangas, mas, sim, produtos de boa qualidade com condições de custo favorável”. E para enfrentá-los não são suficientes salvaguardas e ações de defesa comercial. O Brasil, em sua opinião, só tem um caminho a seguir: “Traçar uma estratégia de enfrentamento para adaptar a economia aos novos tempos”, afirma.
DINHEIRO – Como surgiu a idéia de dedicar uma sondagem de opinião sobre a China?
FLÁVIO CASTELO BRANCO – Nós fazemos trimestralmente uma sondagem especial da indústria, sempre temática. Escolhemos um assunto e o aprofundamos. Nesta primeira sondagem de 2007 decidimos pela China, obviamente pela crescente importância do país nos mercados internacionais. A pesquisa aborda duas visões: a concorrência das mercadorias brasileiras com os produtos chineses no Exterior e também no mercado brasileiro.
DINHEIRO – Não houve, então, uma demanda por parte de empresários interessados no tema?
CASTELO BRANCO – De certo modo. Estávamos muito preocupados com a China, mas a sugestão que deu início à pesquisa partiu da Federação das Indústrias de Santa Catarina, o Estado que tem setores muito afetados pela concorrência, como a indústria têxtil, de vestuário, a moveleira e também de eletro-eletrônicos.
DINHEIRO – Se é possível resumir, qual foi a principal conclusão da sondagem especial sobre a China?
CASTELO BRANCO – A concorrência é crescente. Ela se intensifica não apenas internamente, mas também nos terceiros mercados. As empresas brasileiras que exportam sofrem com a concorrência dos produtos chineses. E já se verifica perda da participação relativa das empresas brasileiras tanto lá fora como no Brasil.
DINHEIRO – No mercado doméstico, quais são os setores que mais sofrem? A indústria de brinquedos faz parte da lista?
CASTELO BRANCO – A concorrência é crescente, mas bastante localizada nos setores têxtil, de vestuário e de calçados. Três em cada quatro empresas têxteis registram queda na participação de vendas no mercado interno. E 60% das empresas de calçados também foram atingidas. Os fabricantes de brinquedos não estão incluídos porque a sondagem obedece a classificação de atividades econômicas do IBGE. Precisaríamos descer a filtros menores para identificar o setor. Mas certamente a concorrência no segmento também é forte.
DINHEIRO – O que as empresas brasileiras podem fazer para enfrentar a ameaça chinesa?
CASTELO BRANCO – Há duas linhas de ação. Primeiro, reduzir custos. Uma das principais características do produto chinês é o baixo custo. Assim, para 48% das empresas ouvidas, a primeira forma de enfrentar a concorrência é trabalhar este ponto. No caso das grandes empresas, o percentual de respostas nessa direção é de 61%. Outra linha é a mudança na qualidade do produto. O pensamento é: já que não vou conseguir enfrentar o chinês no campo dele, no custo, tenho que encontrar outra frente. Melhorar a qualidade e criar um novo mix de produtos. Enfim , me diferenciar do produto chinês. São estratégias complementares.
DINHEIRO – Quais são as ações mais freqüentes para reduzir os custos?
CASTELO BRANCO – Pode-se aumentar a produtividade, buscando novas tecnologias. Também eliminar ineficiências. Mas há um limite. Isso depende da capacidade de reação de cada empresa. Num mesmo setor vamos encontrar grupo com capacidade de reação e outros sem. Ou porque não percebem rapidamente a concorrência ou porque não conseguem dar a resposta adequada.
DINHEIRO – Há notícia de empresas nacionais que desistiram do negócio devido ao aumento da concorrência chinesa?
CASTELO BRANCO – Muitas empresas escolheram outros caminhos para deixar de concorrer com produtos chineses. Algumas deixaram de exportar.
DINHEIRO – Temos condições de competir em termos de qualidade, de design e de diferenciação da marca?
CASTELO BRANCO – Sim, um caminho é se diferenciar da concorrência. Porém, é preciso tomar cuidado com a mística de que o produto chinês é de má qualidade. Hoje, grandes empresas como a Ericsson, a Honda e a Volkswagen produzem na China. Na área de calçados, a Mizuno e a Nike estão lá. Claro que também existe muito produto de péssima qualidade. Mas não podemos misturar as coisas. O que nos ameaça hoje não são esses produtos. Não se trata mais de bugigangas. É exatamente o produto com boa qualidade que compete com custos mais favoráveis do que o nosso.
DINHEIRO – Na divulgação da sondagem foi ressaltado que reserva de mercado e salvaguardas não são suficientes para atacar o problema. O que fazer, então?
CASTELO BRANCO – Se existe fraude, cópias piratas, por exemplo, é um problema específico e existem meios para combatê-la. É uma questão de polícia alfandegária. Se há competição desleal, vamos usar os mecanismos de defesa comercial, as salvaguardas, os mecanismos antidumping. Precisamos de uma estratégia de competição não só com a China, mas principalmente com este país que é o grande competidor que emerge no mercado internacional. Precisamos adequar as condições de concorrência do produto brasileiro a esse ambiente internacional mais competitivo
DINHEIRO – E quais são esses fatores desfavoráveis?
CASTELO BRANCO – Um caso típico é o sistema de relações de trabalho antiquado. É claro que não vamos implantar um sistema chinês, porém não podemos continuar com um sistema tão pouco flexível. Já é tempo de desonerar a produção e, com isso, ter capacidade de utilizar melhor os nossos recursos. Um segundo ponto: nossa logística é péssima. É um problema diagnosticado há muito tempo, mas os avanços são pequenos. Mesmo no mercado interno, há problemas para transportar mercadorias. Outro entrave é o custo de capital. O nosso sistema financeiro tem sofisticação, mas o nosso custo é muito mais alto do que o chinês. O BNDES, por exemplo, foca seus empréstimos em grandes empresas e poderia adotar uma política de crédito mais horizontal. Deve-se pensar na democratização do acesso ao crédito, em termos de garantias e custo de transação.
DINHEIRO – E temos também uma carga tributária recorde.
CASTELO BRANCO – Não há termo de comparação entre a carga tributária brasileira e a de países que concorrem conosco, como China e Índia. Não é que a deles seja muito baixa, a nossa que é muito alta. Temos uma estrutura de relações de trabalho herdada de sistemas europeus do passado, sem estruturas tão eficientes quanto a desses países. Carregamos os defeitos e não as vantagens. E aí, na competição com os países emergentes, entramos em desvantagem.
DINHEIRO – Não é de hoje que esses temas estão em discussão. Mas pouco se avança.
CASTELO BRANCO – Essa agenda tem andado de forma lenta. Não é questão de mapear os problemas. Isso já foi feito há muito tempo. É questão de ter uma estratégia de enfrentamento, de superação para adaptar a economia brasileira a esse tempo de concorrência. As mudanças no mundo são rápidas e a capacidade de adaptação também deve ser. Um exemplo: desde 1995 o Brasil discute a reforma tributária. Tivemos todo o governo Fernando Henrique e o primeiro mandato do governo Lula, e nada. Melhorou alguma coisa, mas em outros aspectos só piorou. A carga tributária aumentou. Tem a CPMF, um imposto distorcido. O Cofins, idem. E lá se vão 12 anos discutindo a reforma. Em resumo, a economia não se adequou às mudanças que o País enfrenta ao se tornar cada vez mais integrado à economia mundial.
DINHEIRO – E a concorrência com a China no mercado externo é tão forte quanto no mercado doméstico?
CASTELO BRANCO – Sim, 58% das empresas brasileiras que concorrem com os chineses em terceiros mercados já perceberam redução nas vendas. Uma parcela pequena já parou de exportar, 7%. Como último recurso, algumas empresas começaram a produzir na China. Isso já se observa no caso dos eletrônicos, de vestuário e calçados.
DINHEIRO – A iniciativa de produzir na China, para se manter competitivo, interessa à economia brasileira?
CASTELO BRANCO – Se for uma transferência de produção doméstica para lá, com certeza não. Agora, se é uma forma de a empresa brasileira se manter competitiva no mercado internacional, a iniciativa é positiva. A companhia estará atuando como uma multinacional. Isso é bom. Mas se as atividades dela aqui começam a definhar em troca do aumento da presença na China, aí seria uma perda para o País. Um exemplo positivo é o da Embraer: montou uma fábrica na China para atender ao mercado local, mas em benefício de suas operações no Brasil.
DINHEIRO – Também perdemos espaço para a Índia?
CASTELO BRANCO – Pode ser. Não temos um mapeamento que nos permita afirmar com certeza. A Índia tem uma presença mais forte em serviços, e não em produtos.
DINHEIRO – O Brasil, em suma, tem de pensar numa estratégia para enfrentar a concorrência no mercado internacional.
CASTELO BRANCO – Ações de defesa comercial são necessárias e o País deve lançar mão delas sempre que for o caso. Deve-se também combater a concorrência desleal. Mas o problema com a China é mais amplo do que isso. Salvaguardas atenderiam às necessidades da concorrência no mercado doméstico, mas não no internacional. Outro fator é que as ações de defesa comercial têm prazo limitado e foco específico. Hoje os chineses são muito fortes em apenas alguns setores, mas estão crescendo rápido e de forma diversificada. E aí temos de adequar o nosso ambiente de competitividade aos padrões internacionais e ao padrão chinês. A agenda das nossas transformações passa pelo custo de capital, regulação, burocracia, relações de trabalho, logística, etc.
DINHEIRO – Até que ponto a apreciação do câmbio também é um fator negativo?CASTELO BRANCO – Esse é um problema além da China. Na verdade, a China também tem um câmbio extremamente valorizado e sustenta isso por um longo período. Nós, ao contrário, tivemos nos últimos três anos um aprofundamento da valorização da moeda. O que intensifica a competição. Todo mundo se valorizou em relação ao dólar. Mas nós nos valorizamos mais. O câmbio, porém, é uma circunstância. Já a concorrência com a China é uma realidade que veio para ficar.
DINHEIRO – A decisão da China de crescer menos nos próximos anos nos tranqüiliza?CASTELO BRANCO – Crescimento menor em termos. Passar de 10% para 8% ao ano não é muito diferente.

É HORA DE PASSAR O QUEPE
O AERUS, FUNDO DE PENSÃO DOS FUNCIONÁRIOS DA VARIG E TRANSBRASIL, AGONIZA E DEIXA ÓRFÃOS MILHARES DE BENEFICIÁRIOS. A ÚNICA SAÍDA É O GOVERNO ASSUMIR O PROBLEMA
Por daniel leb sasaki
Visualize uma terceira idade tranqüila, com a mente despreocupada e o corpo assistido por médicos de um bom plano de saúde. Pensou? Agora, imagine a viagem dos seus sonhos, aquela que quer realizar ainda na juventude, mas sabe que só poderá lá na frente. Milhares de idosos no País terão que repensar esse futuro. É que eles são participantes do Aerus, o fundo de previdência privada dos trabalhadores da Varig e Transbrasil, em liquidação desde o ano passado. No início do mês, os pensionistas receberam a pior das notícias: com o caixa esgotado, o instituto só teria dinheiro para pagar, no dia 3 de abril, uma última parcela, relativa aos benefícios de março. Houve muita pressão, até que na quarta-feira 21 uma comissão formada por dirigentes do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), aposentados e juristas conseguiu, junto a Brasília, uma extensão provisória desse prazo para mais alguns meses. Mas o problema continua: expirada a prorrogação, os assistidos podem ficar à própria sorte. Graziella Baggio, a presidente do SNA, soa o alerta. “Temos 70% deles acima de 60 anos, sem condições de voltar ao mercado. E, além dos 15 mil participantes dos Planos I e II do Aerus, devem ser levados em consideração os 55 mil dependentes.” Um caos social está prestes a se instalar e o drama dessas famílias, que contribuíram com boa parcela dos salários durante décadas para viver uma aposentadoria tranqüila, parece estar apenas no início.
Fernando Vieira Dutra precisou se desfazer da casa e do carro para fazer economia no orçamento familiar. Sua esposa era comissária de vôo da Varig, demitida sem receber verbas rescisórias e com o salário atrasado cinco meses. “A coisa ficou muito feia. Devemos ao cheque especial, ao cartão de crédito, ao condomínio, ao colégio de nossa filha, aos parentes e amigos”, desabafa. Os mais velhos devem sofrer ainda mais, em virtude dos altos preços dos planos de saúde. É o caso de Theophilo Abreu, 85 anos, mecânico de vôo aposentado pela companhia. “Vou ficar só com o INSS e ele não cobre minhas despesas”, diz. Já a aeromoça Eliana Alf, demitida da Varig na casa dos 50 anos, enfrenta ao mesmo tempo o preconceito das empresas por causa da idade e o fato de ser nova demais para se aposentar: “Muitos, como eu, contribuíram por mais de 20 anos no valor máximo. Fomos roubados, ficamos sem salários, sem emprego, sem verbas rescisórias, sem direito à restituição daquilo com que contribuímos e ainda sem poder pleitear sequer a aposentadoria do INSS. Isso, sim, é tragédia.”
O que deu errado? Como um dos maiores fundos de previdência privada do País quebrou? O SNA atribui a responsabilidade às autoridades, por permitir e até incentivar a inadimplência das patrocinadoras. “Não se trata apenas de omissão. É ação concreta da União”, afirma Luiz Antônio Castagna Maia, advogado que acompanha as ações na Justiça. Segundo ele, é longa a lista de ilegalidades praticadas que resultaram no dreno das contas do Aerus. Algumas delas, decisões unilaterais, lembram os tempos da ditadura militar. O primeiro ato veio em 1991, quando o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) suspendeu o repasse de 3% sobre os preços das tarifas aéreas domésticas, estabelecido como terceira fonte de custeio do fundo (as outras duas eram as patrocinadoras e os participantes). A suspensão ocorreu apenas nove anos depois da criação da taxa, embora a lei estipulasse sua continuidade por três décadas. “O Aerus mandou uma carta ao DAC, pedindo que enviasse os estudos atuariais em que baseou a decisão. Eles responderam que não havia estudo algum”, revela Odilon Junqueira, ex-presidente do Instituto Aerus.
A Secretaria de Previdência Complementar (SPC),como órgão fiscalizador, nada fez a respeito. Pelo contrário. Em 1995, autorizou a criação irregular do Plano II do fundo. Irregular, pois reduzia a contribuição no primeiro plano, configurando quebra de contrato. “O governo cria órgãos, mas não lhes dá estrutura. O grande responsável pela situação a que chegou o Aerus é a própria SPC”, afirma um consultor ouvido por DINHEIRO. “Tanto a Varig como a Transbrasil usavam dessa fraqueza para usar o capital do fundo para se sustentar na crise financeira. Resultado: não repassavam o dinheiro e ficava por isso mesmo.” Segundo ele, ações mais graves aconteceram, como tentativas de silenciar funcionários do governo que apuravam os problemas. “Em 2001, Solange Paiva Vieira, que ficou oito meses à frente da Secretaria, foi afastada porque investigou irregularidades no fundo. Foi uma polêmica muito grande”, diz outro analista. Castagna aponta que nesse meio tempo a União autorizou as patrocinadoras a contribuir quando, como e se quisessem. “Nunca mais houve contribuição. Se o Hugo Chávez tivesse praticado isso, seria destaque em todos os jornais. Mas estamos falando de Brasil.”
A outra parte responsabilizada pelo drama são as aéreas, principalmente a Varig, maior patrocinadora. Ao deixar de honrar as dívidas assumidas com o fundo, a empresa renegociou irregularmente os pagamentos nada menos que 21 vezes. Parou de pagar em fevereiro de 2006, com um débito acumulado de R$ 2,3 bilhões. Quando a crise se agravou e os funcionários na ativa tentaram usar o dinheiro do Aerus para capitalizar a companhia, a SPC interveio com a liquidação e, aí, todos – empregados e aposentados – ficaram a ver navios. Houve desespero, polêmica e mais um escândalo: enquanto idosos perdiam suas pensões, nota na imprensa revelou que Emo Dionízio Brentano, o primeiro interventor, recebia honorários de até R$ 29 mil. Ele foi afastado do cargo em janeiro. DINHEIRO procurou o atual liquidante do Instituto Aerus, José da Silva Crespo Filho, para comentar o assunto. Mas uma atendente disse que ele não concede entrevistas. Na SPC, vinculada ao Ministério da Previdência Social, a resposta foi parecida. “A SPC não tem opinado sobre o Aerus porque é um caso específico”, alegou a assessoria de Leonardo Paixão, que assumiu o cargo de secretário após a intervenção.
Aos beneficiários, resta esperar que a boa vontade do Executivo e a simpatia do Judiciário acabem com sua agonia. Na Justiça, tramitam duas ações responsabilizando a União pelo pagamento imediato dos benefícios. Além delas, há a expectativa em relação ao depósito dos R$ 4,5 bilhões devidos à Varig pelo congelamento das tarifas no período Collor. “Estão usando instrumentos jurídicos protelatórios, porque no fim serão obrigados a pagar à empresa e, conseqüentemente, ao Aerus”, afirma Graziella. Com a prorrogação dos pagamentos, o benefício do Plano I da Varig, que já está em 40% do valor, será estendido mais um mês. O Plano II, por mais três meses. E, no caso da Transbrasil, os depósitos irão até dezembro. “Esperamos que seja cumprida uma liminar que garante 100% dos benefícios para todos e que encontremos uma solução definitiva com o governo”, diz a presidente do sindicato. Castagna está confiante. Acha que a mobilização sensibilizará o STF, por conta da gravidade e da urgência do assunto. “Do contrário, o Supremo estará admitindo que qualquer ladrão pode ser nomeado representante da União. Aí, será a barbárie.”
O DRAMA DOS AERONAUTAS
PrevidênciaRombo no Aerus chega a R$ 2,3 bilhões
"A União autorizou a inadimplência com o fundo. Se Hugo Chávez tivesse feito isso,seria destaque em todos os jornais"Luiz António Castagna, advogado que representa os interessesdos beneficiários
É uma vergonhaTrabalhadores aceitam sacrifícios e o goverovira as costas
"Esperamos que seja cumprida uma liminar que garante 100% dos benefíciose que encontremos uma solução como governo"Graziella Baggio, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas

O poder na passarela
Exposição no Palácio do Planalto tenta mostrar as mulheres que fizeram história na República brasileira. Mas faltam personagens importantes e sobram bizarricesPor adriana nicacio
Proclamada a República em 1889, o Brasil trocou rainhas por primeiras-damas. De lá para cá, 34 mulheres receberam o título de grande prestígio e razoável poder. Em meio a todas elas, uma se destaca: Marisa Letícia, mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Calma! Isso acontece na exposição Jogo de Damas – perfis femininos na história republicana, que permanecerá no Palácio do Planalto até 2 de abril. A mostra parece ter sido criada para ela. Dos cinco vestidos apresentados, dois são de Marisa – um amarelo e, obviamente, um vermelho –, ambos criados pelo estilista Walter Rodrigues. Além dos trajes em destaque, a senhora Lula da Silva é reverenciada em dois retratos e sua biografia não divide espaço com ninguém. De pano de fundo, as demais primeiras-damas aparecem em meio a mulheres importantes, que ajudaram a construir a história republicana, como a primeira eleitora, Celina Guimarães Vianna, e a primeira prefeita eleita, Alzira Soriano, da cidade de Lajes, no Rio Grande do Norte. Curiosamente, a ex-garota de programa Bruna Surfistinha foi lembrada. Sabe-se lá sua relevância republicana.
O papel das primeiras-damas é, de certa forma, visto como secundário pela maioria da população. Não é. Em alguns casos, elas têm o poder de amenizar conflitos. Basta conhecer um pouco da trajetória de Jacqueline Kennedy (1929-1994), a mulher que reinventou a função de mulher do presidente dos Estados Unidos nos memoráveis anos Camelot, para entender o que isso significa. Além de influenciar os costumes na década de 60, ela ajudou a construir a imagem de seriedade do presidente John Kennedy, tido como playboy por líderes como o francês Charles de Gaulle e o premiê Nikita Kruchev, o comandante da União Soviética nos tensos anos da Guerra Fria. O Brasil, guardadas as proporções, teve a sua “Jackie”. Era Maria Thereza Goulart, mulher do presidente deposto pelos militares João Goulart. Mas apenas uma gargantilha prateada e pérolas artificiais, acompanhadas de pulseira e brinco, representam a mulher que foi considerada uma das mais chiques do País.
Depois de Maria Thereza, para tristeza de quem apreciava a beleza e, acima de tudo, a sensatez, chegou a vez das esposas dos militares. O destaque ficou com Yolanda da Costa e Silva. A mulher do PRESIDENTE Arthur da Costa e Silva era uma perua assumida e não escondia de ninguém a forte influência que tinha sobre o marido, incentivando-o na desastrosa idéia de criar o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que fecharia o Congresso. Na exposição, ela é representada por um longo bege bordado com lantejoulas. Há ainda um vestido usado por Lucy Geisel, esposa do PRESIDENTE Ernesto Geisel, e outro de Alzira Vargas, filha do presidente Getúlio.
Quem visita a exposição fica decepcionado com o acervo. Faltam, ali, personagens dos anos pós-regime militar. Não se vêem Marly Sarney, mulher de José Sarney, o primeiro presidente civil, e Rosane Collor, ex-mulher de Fernando Collor, dona de um gosto duvidoso e que saiu do Planalto pela porta dos fundos. Também não é possível encontrar a intelectual Ruth Cardoso, mulher de Fernando Henrique, que inaugurou a reeleição. Uma exposição fraca para o que ela se propõe: mostrar as mulheres que construíram a história republicana.